quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Jucimar e os sonhos

Jucimar era apaixonado por sonhos. Gostava de todos os tipos de sonhos... Dos pequenos ou grandes, coloridos, preto e branco... Ou mesmo os sonhos de sons. Gostava particularmente daqueles que tinham apenas notas musicais dançando no espaço... Não as notas em si, mas os sons da nota. Dizia que com isto podia sonhar com qualquer outra coisa. Mas Jucimar tinha um grave problema: não era ele quem sonhava, ele vivia dos sonhos dos outros. Todos os dias, sempre procurando pescar, escutar, ao menos que em parte um sonho de uma outra pessoa.

Jucimar observava todas aquelas histórias, aquelas façanhas épicas e anotava tudo. Sentia dor quando alguém sonhava com morte... Preocupava-se imensamente sobre o que aquilo poderia dizer sobre uma pessoa querida... Temia que poderia ser seu último sonho. Gostava dos sonhos alegres, menos daqueles que podiam trazer algum tipo de adrenalina: era avesso a isto, preferia uma certa calmaria.

Outro sonho do qual ele não gostava era os de fogo. Tinha pavor de pensar na possibilidade de ficar queimado, de se chamuscar o mínimo que fosse. Quase afastava-se de quem se aproximava dele com um cigarro, mesmo um palito de fósforo aceso. Nem os sonhos que envolviam água... Tinha medo de que isto poderia dar um fim a sua longa finitude.

Jucimar era velho, muito velho. Estava um pouco cansado e necessitava da ajuda de médicos sempre para poder se afinar pra vida. Afinal, a mesma já lhe tinha trazido ranhuras que nem o tempo curaria. Preocupado em ser substituído como algo velho, procurava se esforçar. Afinal, precisava daquilo, da companhia daquelas pessoas. Mais ainda: precisava dos sonhos. Não conseguia ter seus próprios. Isto o atormentava. Ansiava pelas noites, para que pudessem transcorrer dentro dele desejos e sonhos dos outros. Ele próprio nunca tinha sonhado. Até aquela fatídica noite.

Naquela noite solitária, conseguiu, após décadas de vida, sonhar. Em seu recinto enclausurado com estátuas, tapetes, lareira... Conseguiu finalmente ter um sonho. Sonhava com sinetas ao longe. Lembrou das igrejas de que tanto falavam... Imaginou como seriam estes sinos, que tocavam harmoniosamente ao longe. Certa proximidade trouxe também outra coisa... Luzes. Nunca tinha tido um sonho... Ficou espetacurlamente em devaneio.

Aquilo lhe trazia tantas sensações indescritíveis que sentia um calor perto dele. Como se fosse algo novo e quente... Algo que pudesse transformá-lo em algo melhor... Algo... Quente. Definitivamente quente. Jucimar prestou atenção melhor ao que acontecia: sua sala pegava fogo... Parece que algum descuido em relação à lareira. Jucimar congelou, não conseguia sair do lugar... O fogo lambera quase tudo daquele recinto e não conseguia se mover, embora tivesse pernas.

Parte do fogo o alcançou... Sentia sua perna ceder e parte de cima se chamuscar... O fogo alcançara grandes proporções. Parte dele havia sido queimado... E nem os bombeiros que chegavam com água poderiam salvá-lo. Estava imprestável... Parte por ter sido queimado e a outra por ter sido molhado. Se arrependeu por tanto ter querido sonhar... E por tanto ter medo de água e fogo.

" É uma grande pena..." - disse seu dono, atônito ao ver aquilo - "Ele era o meu melhor piano."
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