quinta-feira, 15 de abril de 2010

Clemêncio e Eleutério

Clemêncio é um típico brasileiro. Acredita demais no futuro, nas suas variadas possibilidades de dar certo na vida, na sua gana para que o país consiga se desenvolver e que sua vida melhore também . Clemêncio também deseja uma esposa bonita, inteligente, simpática e trabalhadora. Ah, precisa ser também sua companheira para todas as horas, para todo o sempre.


Clemêncio só esquece que nada na vida é para sempre, nem nós mesmos. Enquanto ele senta, esperando que o futuro caia no seu colo como um presente dos seus, como algo que o Papai Noel colocaria debaixo da nossa árvore no véspera de Natal, ele também esquece que nada na vida é de graça, nada pode ser ganho se não houver alguma perda em sua vida, não sem que haja alguma vontade de sua parte também.

Há palavras que Clemêncio destesta completamente em nosso vocábulo. Os vernáculos tais como decisão, arriscar (em todas as suas conjugações verbais, tanto nas flexões em pessoas quanto nos próprios tempos verbais)... Decisão é cindir entre duas ou mais coisas, para que possamos trilhar um caminho que, no nosso entendimento momentâneo da situação, é o melhor caminho para seguirmos. É, em suma, correr riscos. Hum... Nem fale isto perto dele, meu caro(a) leitor(a). Faria-lhe subir um calafrio pela espinha e o pertubaria profundamente.

Mas Clemêncio nunca pensou em uma outra palavra, até que a viu em um ponto de ônibus. Era uma propaganda de um desses concursos públicos, no qual dizia: "Aquele que almeja o que não tem, precisa fazer o que nunca fez - Curso Sacrifício". Ah... Aquilo o assustou tremendamente. Ele que sempre queria ter feito um concurso para ter uma melhor condição de vida para si, para que pudesse voltar a sua tão sonhada faculdade de direito a qual tinha largado por falta de condição financeira... Aquilo o atingiu como uma seta no seu coração, tão profundamente que Clemêncio deixou de fazer tudo o que tinha planejado para o seu dia. Tomou um ônibus e foi em direção ao curso.

Chegando à recepção, fez um verdadeiro escarceu com a atendente. Queria imediatamente falar com o dono daquele curso, aquele ser odioso que fazia propagandas indevidas, que fazia coisas que nunca poderia fazer, que provocava as pessoas a tal ponto e de maneira tão vil que deveria ter uma lição. Uma boa sova, se possível, como dizia a sua mãe. Clemêncio continuou a riscar no ar, como um esgrimista faz com seu terçado, palavras, frase eloquentes e que pareciam ser retiradas de contos de um blog da internet.

Nisto, abre a porta um senhor, daqueles típicos velhinhos simpáticos que sempre desejamos ajudar a atravessar a rua. Ele vinha andando devagar, com sua bengalinha. Ao observar Clemêncio, alterado, colocou a mão em seu ombro e perguntou se tudo estava bem. Clemêncio, entre lágrimas e palavras, parou e conseguiu se conter diante dele. O senhor lhe ofereceu um copo de água e ele aceitou.

Senhor Eleutério era o dono do curso. Convidou-o a ir até a sua sala para poderem conversar. Clemêncio ficou sentado, esperando o que poderia vir daquele homem simpático, com seu rosto já maturado pela idade. Senhor Eleutério se recostou na cadeira e começou a falar com ele sobre a sua vida. Como ela tinha sido e como tinha feito o curso que fez.

Eleutério, dispensara já o senhor para Clemêncio (embora o mantivesse por respeito), era procurador do Ministério Público do Trabalho aposentado. Tinha feito vários concursos na sua vida. O primeiro de segundo grau para o próprio Ministério Público do Trabalho. Era técnico administrativo. Apaixonou-se por duas coisas naquele momento em sua vida: o Direito e sua esposa, Rubia, cinco anos e meio mais velha do que ele.

Ele tinha decidido, então, fazer de tudo, com todas as suas forças para dar àquela mulher tudo o que uma mulher daquele porte merecia. Estudou mais ainda e formou-se. Tiveram uma filha chamada Maria Luísa. Ele passou para Oficial de Justiça do Tribunal Regional do Trabalho. Após isto, continuou a estudar. Adotaram uma criança junto ao Ofarnato de São Bento, chamado Miguel. Passou para Promotor Público do Trabalho. Tiveram outra filha, chamada Sílvia e adotaram mais um menino, Rafael.

Aquele história tinha impressionado Clemência. Quando Eleutério percebeu a comoção de Clemêncio, estendeu-lhe um lenço para que enxuga-se suas lágrimas. Eleutério falou, então, o que o motivou a chegar tão longe: Sacrifício. Pasmou Clemêncio com isto. Eleutério explicou-lhe que Sacrifício nada mais era do que sacro oficío, ou seja, um ofício sagrado que ele, Eleutério, dedicara a sua esposa e a sua profissão.

Eleutério ainda ofereceu um emprego para Clemêncio, para que pudesse trabalhar na secretaria do curso e para que pudesse estudar para o concurso de técnico do Ministério Público da União que iria abrir. O próprio Eleutério tiraria dúvidas atinentes a matéria de Clemêncio, seria o seu professor particular. Clemêncio iria aceitar, mas perguntou a Eleutério porquê ele fazia isto. Eleutério afirmou que um dia, quando todos não mais acreditavam nele, alguém lhe estendeu a mão em um momento tão difícil quanto o de Clemêncio.

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