sexta-feira, 30 de abril de 2010

Galeano e Carolline

Galeano era um dentista formado há alguns anos. Fazia pós-graduação na área de buco-maxilo e desenvolvia um trabalho de reconstrução dos ossos da face em dois hospitais de sua região. Como complemento, trabalhava em um consultório perto de sua casa. Era casado com Améllia, porém era extremamente infeliz. Tinha se enamorado por ela após a faculdade e casaram-se sob a tutela da família dela. Vinha de uma boa família e rica, sendo que até aquela data vivia da mesada dada pelos seus pais.

Ele se sentia sempre menosprezado por aquela situação, sendo que em qualquer momento poderia ser colocado do apartamento para fora. Não se sentia morador daquele espaço vazio e seu relacionamento com Améllia piorava a passos largos: ela pouco o tratava e sempre fria e distante. Era indiferente aos seus sucessos profissionais, por menores que fossem. Estava arrependido de ter casado, mas não tinha coragem para sair daquela situação.

Gostava de passar sempre em um café perto de sua casa, para espairecer. Tinha o hábito de permanecer ali por aproximadamente uma hora, tempo em que sempre conseguia recarregar as baterias para a batalha no ninho da indiferença. Era uma sexta-feira chuvosa e não havia mesas desocupadas. Sentou-se na cadeira alta do balcão, e fez o seu pedido, com o típico sorriso no rosto e descontração - como se ali ele pudesse ser ele mesmo e se redescobrir feliz.

Sentiu que estava sendo observado, algo por detrás da sua nuca. Virou-se, disfarçadamente, e vislumbrou uma das cenas mais magnetizadoras da sua vida: uma moça de pele branca, com cabelos bem escuros. Neste momento, seus olhares se tocaram. Ela vestia um sobretudo jeans e sacodia seu guarda-chuva, para tirar as gotículas de água que nele estavam aderidas.

A mulher se aproximou dele e o chamou pelo nome. Achou curioso conhecê-lo, provavelmente poderia ser uma de suas pacientes. Algo lhe disse que não era. Ela fitou-o nos olhos e disse-lhe: -"Sou eu, Carol.". Ficou pasmo... Era Carolline, uma velha amiga da sala de aula de Odontologia. Pediu desculpas pela sua indelicadeza por não a tê-la reconhecido e ela retribui com um sorriso e disse apenas que tinha mudado muito desde o tempo da faculdade.

Observando-a retirar o sobretudo e colocá-lo ao seu lado no balcão, notou o porquê de não a ter reconhecido: seus cabelos eram claros e longos, agora estavam escuros e curtos, na altura do pescoço. Percebeu que ela havia adicionado um furo a mais em cada orelha e que tinha tatuado no seu pescoço, na parte interna, uma pequena borboleta. Conheceram-se na faculdade por intermédio de um amigo em comum que a namorava. Era um safado, em sua opinião, pois sempre a traía.

Ela pediu um café, do mesmo tipo que o dele. Ele não sabia se ela tinha visto sua xícara antes. Para falar a verdade, ele nem se importava com este fato. Queria saber mais dela, lembrar daquele sentimento de sonhos que a faculdade trazia e da esperança que ambos tinha no futuro. Conversaram. Sobre muitas coisas e sobre pequenas coisas: relacionamentos passados, pequenas piadas de faculdade, sobre os professores... Riram um do outro e um com o outro.

Até que houve aquele silêncio constrangedor entre uma piada e outra. Os olhos dos dois se cruzaram novamente, mas havia ali uma certa espécie de um inconsciente contido, algo que sempre desejavam dizer um para o outro. Galeano pigarreou e perguntou sobre Peterson, o seu amigo. Ela falava que estavam casados. Ela perguntou o mesmo sobre ele. Ele disse que também estava casado. Os dois sorriram um sorriso estranho, atípico de canto de boca, quase como se um amargo fosse colocado na boca de cada um.

Ao pagarem a conta, dirigiram-se para a porta juntos. Pararam um de frente para o outro, como se precisassem dizer tantas coisas, tantas palavras que ficaram no passado e nunca foram ditas. Ele pediu o seu telefone, e ela deu. Ela anotou o dele. Galeano foi para casa pensando em tudo aquilo que havia acontecido. Sobre aquela velha estranheza típica em momentos de carência afetiva, da necessidade de precisar de algo fora de seu casamento. Nunca tinha feito isto na vida e não pretendia fazê-lo agora.

Alguns dias se passaram, sem que ele tivesse para ela ligado. Tinha recebido uma proposta de uma clínica particular para trabalhar lá. Havia sido altamente recomendado por seu professor da pós-graduação, que o achava um brilhante diamante. Foi conhecer a estrutura da clínica: uma de dois pavimentos em área nobre da cidade, arborizada e com várias estruturas independentes, interligadas por arcos e túneis de vidro. Achou fascinante tudo aquilo e dirigiu-se para falar com o dono do local.

Sentou na luxuosa sala de espera, enquanto observava que a recepcionista digitava palavras em demasia para quem simplesmente estava fazendo anotações na agenda. Riu para si mesmo e a imaginou em algum bate-papo virtual conversando com algum estranho para que pudessem sair juntos. Ficou curioso para saber se tinha uma câmera ali, para que pudessem um ver o outro. Neste momento, foi chamado.

Qual a sua surpresa ao ver que era Peterson? Ele fez piada da cara de Galeano, como sempre costumava fazer. Peterson tinha usado um dinheiro de herança, como ele dizia, para montar aquela enorme clínica. Não sabia que seu amigo tinha tamanho talento para administrar dinheiro, mas ficou feliz por estar ali. Ao menos, poderia escavar alguma possibilidade profissional.

Conversaram por alguns minutos e Peterson foi lhe mostrar a clínica. Quando estavam na cafeteria, Peterson foi chamado por sua secretária para atender a uma visita da ANS. Pediu para que lhe esperasse. Enquanto bebericava seu café, viu Carol cruzando o corredor. Quando Carol o notou ali, ficou mais branca do que o habitual, mas disfarçou bem. Era uma dama na sociedade, como poucas. Possuía um porte de berço.

Ela sentou-se na sua mesa e conversaram. Ela desejava saber o que ele fazia ali e ele explicou. Ela ficou constrangida, por um minuto. Ele percebeu este embaraço e lhe falou que não sabia se iria aceitar ou não. Ela perguntou porque ele não tinha ligado. Ele quase respondeu... Foi interrompido por Peterson e as visitas. Peterson o apresentou como o mais novo buco-maxilo proemininte e recém-contratado. Galeano sorriu embaraçado e deu de ombros. Falou que precisava resolver outros assuntos. Saiu de lá, deixando Carol com os olhos cheios de privação.

Quando chegou em casa, havia um bilhete de sua esposa: iria viajar durante uma semana com papai e mamãe. Pegou o bilhete, amassou-o e jogou-o no lixo. Estava cansado de tudo, de sua vida ter tomado um caminho que não tolerava. Usando o jargão popular, estava de saco cheio de tudo aquilo. Resolveu beber para esquecer. In vino veritas, pensou. Foi procurar um vinho e viu que era da marca preferida de Carol. Abriu-o e, com uma taça alta de vinho, sorveu-o.

Após a segunda garrafa, estava mais bêbado do que um gambá. Tentou levantar-se da poltrona para ir ao banheiro, sem sucesso. Na terceira tentativa, conseguiu. Após lavar as mãos, escutou a campainha. Pensou na maldita mania do porteiro do seu prédio em sempre não anunciar quando chegava a pizza. Indo em direção a porta, lembrou que a pizza já havia chegado. Abriu a porta ressabiado: esperava que não fosse a vizinha velhinha que morava em cima, a qual reclamava de qualquer barulho.

Teve um assombro: era Carol. Com os olhos marejados, pediu para entrar. Antes que ele começasse a falar, ela despejou todo o seu vocabulário acumulado em anos de mágoas: sua vida não mais lhe servia, detestava a frieza como seu marido a tratava. Nem mais o considerava como tal: mal era tocada por ele há quatro meses. Sentia-se rejeitada, desprezada, humilhada. Chorou. Chorou a tal ponto de soluçar.

Galeano, embriagado, falou que tudo iria passar. Abraçou-a ternamente. Sentia as mãos de Carol de punhos cerrados de raiva, levemente dissolverem-se em uma mão aberta e envolverem suas costas. Ficaram ali poucos segundos, mas foi o suficiente para acender algo oculto que havia entre os dois. Galeano ergueu a cabeça e a olhou, observou que ela fazia o mesmo movimento em distância oposta. Não resistiram.

Entregaram-se a uma luxúria completamente louca e incessante. Amaram-se intensamente por horas a fio, desvendando e desnudando o segredo do corpo um do outro como uma dupla perfeitamente harmonizada junto aos passos dados na pista. Um avançava para que o outro recuasse e vice-versa. Fizeram isto na sala, no corredor e no quarto de hóspedes. A volúpia foi tamanha que as costas de Galeano foram lanhadas várias vezes por aquela tórrida amante.

Galeano lhe serviu vinho, ela sorriu largo ao ver a garrafa: como se advinhasse que ela viria. Como se estivessem em sincronia. Galeano conversou sobre como sempre a tinha desejado, mas que nunca tinha tido a coragem de lhe contar. Carol antecipou-se e perguntou se era sobre as mulheres que eventualmente saíam com Peterson. Ele disse que não, mas era péssimo mentiroso. Carol sorriu e falou que sabia. Só queria saber porquê nunca tinha contado para ela.

Ele disse que não queria que parecesse que aquilo seria o motivo para ela se separar dele, que ela deveria fazer isto porque não mais o queria. Carol ruborizou um pouco sua face, era como se Galeano cobrasse dele agora o assunto de anos atrás. Calou-se. Galeano, percebendo isto, pegou em sua mão e lhe explicou tudo. Explicou que não era isto porque ele nunca falaria nada para que a machucasse e nunca cobraria nada dela. Simplesmente a amaria.

O rubor de Carol aumentou e sua mão ficou fria. Confessou-lhe que sempre queria ter ouvido aquilo dele e que agora não sabia o que iria fazer. Galeano sorriu. Pediu para que ela não pensasse em nada daquilo agora e que depois daquela noite, iriam conversar; mas não ali e nem naquele momento. Aquele era o momento de simplesmente se amarem mais. E como o fizeram. Depois iriam falar do futuro... Agora era só o momento de aproveitar o presente dado por um re-encontro inesperado em uma cafeteria. Ela fez que sim com a cabeça e o beijou, torridamente.

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