quarta-feira, 12 de maio de 2010

Lucrécio e Joanna

Lucrécio era uma pessoa boa, porém impulsivo e irascível com o que considerava um erro de uma outra pessoa. Podemos até usar as suas palavras para definirmos melhor o seu comportamento: "Eu apenas não tolero excesso de estupidez. Para mim, quem é burro pede a Deus que o mate, o Diabo que o carregue e que arrume um trouxa para cuidar do corpo.".


Isso gerava problemas com sua família, vivia trocando de namoradas (por vezes duas ou mais ao mesmo tempo) e até mesmo de amigos. O único bom amigo que conservou era Henriqueto, seu conselheiro para as situações mais adversas. Não que o ouvisse muito, apenas gostava de conversar com ele sobre o que lhe acontecia. Como um bom amigo, Henriqueto não concordava com suas atitudes intempestivas. Como um bom amigo, Henriqueto também aguardava o retorno do seu irmão ferido do combate da vida para poder lhe tratar.

Em uma destas segundas-feiras, em que não esperamos que nada de anormal vá acontecer, Lucrécio pára em um banca de jornal para adquirir um. Ao pagar, escuta uma voz feminina perguntando onde era o ponto de ônibus mais próximo para se dirigir a um outro município. Ele, de um jeito até simpático, sem dar muita bola, explicou de costas o caminho. A voz feminina agradeceu e encostou a mão em seu ombro.

Ele, num rápido reflexo para certamente dizer algum impropério, parou ao ver aquela mulher de olhos negros e pele branca. Perdeu o fôlego, por um momento, e se propôs a levá-la até o seu destino para aguardar a sua condução. Conversando, no meio do caminho, descobriu que era uma arquiteta recém-formada e que estava indo procurar um emprego em um escritório em franca expansão.

Ela, toda sorridente, perguntou o que ele fazia. Disse apenas que era funcionário público, omitindo o fato de ser um policial. Achava-a ingênua e sonhadora, pensou ele, lembrando que um dia, ao prestar concurso público, também tinha um pouco daquela esperança no futuro que a jovem demonstrava. Perguntou-lhe seu nome. Ela disse:

-"Joanna, prazer. E você?"

-"Lucrécio. Prazer."

-"Olha, eu achei você muito simpático, viu?"

-"Eu também. Pena que vamos perder o contato, né?"

Ela, meio que tímida, estendeu-lhe o seu cartão. Dizia: "Joanna Alencar, Arquiteta". Continha o telefone dela e o e-mail. Nisto, percebeu a aproxomação do seu ônibus e fez-lhe sinal. Despediu-se de Lucrécio dizendo que ia esperar uma ligação dele, embora não tivesse sentido um certo interesse de sua parte. Disse isto sorrindo, daqueles sorrisos marotos femininos que fazem cair por terra qualquer defesa masculina.

Lucrécio esperou três dias, algumas incursões policiais a serem realizadas. Estava já enojado daquele serviço, desejoso de algo diferente. Teria o final de semana de folga e resolveu ligar para a arquiteta. Conversaram alguns bons vinte minutos antes de marcarem algo. Lucrécio sugeriu um restaurante no meio do caminho dos bairros onde moravam, o que agradou bastante Joanna. Com sua habilitação para dirigir recente, não gostava de percorrer longas jornadas - não comentou sobre isto, é claro.

No dia, ele estava até apresentável. A barba estava por fazer, mas não cheia, apenas para dar aquele charme. Camisa social azul, calça jeans escura e tênis também azul. Usava um perfume com um cheiro amadeirado, com toques de limão. Gostava de perfumes ácidos. Ao chegar na entrada do restaurante, percebeu que Joanna já estava lá. Aproximou-se devagar, admirando aquela bela mulher e seu vestuário.

Joanna virou-se ao perceber sua aproximação. Usava uma blusa lilás, com uma calça jeans cheia de detalhes e um pouco de brilho, e um sapato de salto alto de bico fino na cor de um lilás mais denso, para combinar com a bolsinha de mão que portava. Percebeu que suas unhas eram vermelhas vivas, assim como o batom de sua boca. Alguns retoques de lápis de olho destacavam ainda mais suas duas órbitas, tudo complementando com os cílios um pouco alongados.

Beijaram-se no rosto e ele a conduziu para dentro. Falaram de coisas amenas, enquanto comiam um prato de salada primavera com carne vermelha (a dele mal passada e a dela ao ponto) e suco natural de abacaxi. Após a refeição e uma certa briga por quem iria pagar a conta - Lucrécio queria pagar toda e Joanna o "ameaçou" de não mais sair com ele se não fosse divida - ele acabou cedendo.

Após a saída do restaurante, ficaram um olhando com cara do outro como a criança que deseja demais o presente de aniversário e tem vergonha, pelo menos inicialmente, de pedir para a mãe que o compre. Lucrécio tomou a iniciativa e pegou na mão de Joanna. Sentiu que ela acariciou seus dedos de leve e resolveu também tentar o beijo. Seus lábios se tocaram de um jeito leve, inicialmente, sondando como seria aquela pequena intimidade. Roçaram os lábios uns nos outros, de leve.

Mas depois deste reconhecimento, o que se percebia era a paixão de um pelo outro. Suas línguas se entrelaçaram e começaram a bailar. Quando um recuava, o outro imediatamente avançava, buscando ampliar aquelas sensações todas que vinham à tona. Seus corpos estavam unidos, sendo tocados nas costas pelas mãos um do outro, terminando este primeiro longo beijo com um carinho no rosto por parte de ambos. Ao abrir os olhos, Lucrécio observou Joanna sorrir como uma adolescente. Isto o comoveu.

Passearam pela praia de mãos dadas, trocaram beijos e carícias naquela noite. Lucrécio chegou em casa tarde, desistindo até do convite de colegas da profissão para uma festa que aconteceria em um sítio de um deles. Resolveu apenas tomar um banho e se deitar, procurando entender como tudo aquilo poderia ter acontecido naquela semana. Ao sair do banho, viu que tinha uma mensagem em seu celular. Dizia: "Obrigada pela noite. Beijos". Ele sorriu de canto de boca, com um típico orgulho masculino de ser um macho alfa.

No dia seguinte, foi almoçar com seu melhor amigo. Henriqueto o tentava convencer a prestar um novo concurso público e a retomar a faculdade de direito. Lucrécio sabia que este seria o tema central da conversa, já indo para o local com seu mecanismo de defesa ativado. Chegando lá, porém, esta não foi a tônica da conversa. Henriqueto percebeu que seu amigo estava diferente e conversaram sobre isto. Lucrécio demorou a admitir, mas deu o braço a torcer e falou sobre Joanna e como aquela jovem era sonhadora, engraçada e linda.

Henriqueto escutou a tudo atentamente, esperando Lucrécio acabar de divagar sobre Joanna. Após isto, conversou com ele sobre como a vida nos mostra opções diferentes do que podemos e do que queremos fazer. Perguntou há quanto tempo Lucrécio não se sentia assim por alguém e se não era este o momento de fazer uma mudança em sua vida. Lucrécio, porém, não usou de sua habitual impulsividade. Apenas falou que seria um caso a se pensar. Henriqueto sorriu; não esperava que o amigo fosse concordar assim.

Encerraram o almoço e Lucrécio sentiu vontade de ligar para Joanna. Não sabia exatamente no que daria aquela ligação e se aquela não seria apenas mais uma das muitas mulheres que ficaram na sua história. Parou, retirou o celular do bolso e o colocou de volta. Nunca havia exitado antes, sempre soube exatamente o que fazer; mas daquela vez, tinha algo diferente, algo novo. Resolveu fazer o que seu amigo lhe aconselhou, resolveu arriscar. Retirou o celular e ligou para ela.

Encontraram-se naquela noite e amaram-se. Fizeram isto quase todos os dias daquela semana. O sentimento de um pelo outro crescia junto com a paixão, mas não era só: começavam a limpar um canteiro obscuro de seus corações e a criar bases sólidas para uma relação de companheirismo. Assim como ela o aplaudiu por ter voltado para a faculdade, ele a aplaudiu quando ela foi fazer mestrado. Percebiam que o que tinham era algo de precioso, algo raro em um mundo tão cinza.

Lucrécio decidiu não ter mais um mundo cinza. Ao se formar após um ano, prestou concurso público e foi alocado em uma área da Administração Pública onde não usasse mais armas. Desistiu de precisar delas para combater na vida. Joanna, com seu sentimento sonhador e suas palavras doces, conseguia aos poucos derreter todo o gelo e o amargo de seu coração. Sua batalha agora seria outra, seria a de lutar por uma vida a dois digna.

A sua raiva de suas frustrações foram apaziguadas por alguém que o fez querer ser um homem melhor. Foi isto o que disse a ela em um jantar para comemarem seu ingresso na sua mais nova área de trabalho. Nesta noite, tivemos duas pequenas surpresas. A primeira era a de que ele pediu a sua mão, com um lindo anel de ouro e uma pedra de rubi, delicado e sutil, como ele buscava tanto ser com ela.

A segunda é que não mais seriam só os dois: Joanna estava gestante. Neste mesmo momento, Lucrécio enchou os olhos de lágrimas, levantou-se, ajoelhou-se e beijou a barriga de sua amada. Pegou em sua mão e lhe agradeceu por tudo o que ela representava em sua vida. Joanna sorriu, o chamou de bobo e o beijou. Disse-lhe que Deus sempre nos dá uma oportunidade na vida de fazermos algo bom para nós, é só prestarmos bastante atenção. Tinha percebido que sua mudança havia começado naquela banca de jornal, ao não ter cruzado a linha do razoável... E desde aquele momento, já era tocado pela presença de Joanna, mesmo que não soubesse quem ela se tornaria na sua vida.

domingo, 9 de maio de 2010

Anthonio e Kelly

Anthonio tinha acordado diferente naquela manhã chuvosa. Sentia que o seu amor por Kelly tinha se esvaido um pouco naquela noite, como os pingos da chuva que escorriam pela a sua janela. Levantou-se para observar o tempo lá fora e viu o céu cinza, típico desta época fria do ano. Sentiu os dedos dos seus pés frios e resolveu colocar um par de meias para poder aquecê-los. Enquanto sentava na sua cama, pensou naquele sentimento que o incomodava.


Não tinha motivos para estar daquele jeito. Tinha uma relação estável com sua amada e tinham tido uma maravilhosa conversar telefônica no dia anterior. Entendia que ela tinha passado por uma semana difícil e que não queria compartilhar certos problemas com ele, mas ele a tinha apoiado em todo o processo, sempre de maneira gentil, como um verdadeiro companheiro. Toda dúvida que ele poderia ter se as questões eram com ele caíram por terra.

Eles riram muito ontem. Lembraram de uma festa elegante na qual tinham ido e que ela tinha colocado vários docinhos em um copo descartável para levarem para casa. Riu do seu jeito de criança naquela hora. Riu mais ainda quando Kelly confessou que em sua infância sempre ia às festas de aniversário com o mesmo macacão verde, o qual era provido de muitos bolsos, e colocava vários docinhos ali dentro, conseguindo melecar completamente a vestimenta.

Lembrou então, naquele momento, quando se surpreendeu quando ela buscava um programa de tevê com desenhos animados, parando quando viu um certo desenho de um certo cachorro falante. Seus olhos brilharam, como se fosse uma moleca, e começou a rir e comentar o desenho com ele. Enquanto esta cena vinha à tona, soltou um "Hum" de satisfação. Kelly tinha parado de falar e perguntou o que havia acontecido. Ele respondeu:

-"Lembrei daquele dia em que assistimos desenho animado juntos. Foi interessante ver como uma mulher perspicaz e séria como você se permite assistir desenhos como se fosse uma pequena infante... Agora que me falou do macacão verde, cheguei quase a ver você usando ele naquele dia. A minha menina-mulher fascinante que sabe exatamente a hora de ser uma coisa ou outra. Uma qualidade admirável, sabia?"

Naquele exato momento, sentiu um pequeno vazio. Percebeu que a tinha deixado envergonhada - ruborizada, como ela preferia - e imaginou a cena que contemplou tantas vezes acontecendo naquele momento. Ela estava enrubescida, abaixou um pouco a cabeça. Agora seria a hora em que ela iria sorrir, puxando o cantinho direito da boca pra cima. Seus olhos iriam descer cortinas até a metade, fechando um pouco as suas janelas da alma. Sua mão direita provavelmente tinha se retraído um pouco.

Ele resolveu mudar de assunto e conversaram sobre mais amenidades. Terminaram o telefone fazendo juras de amor um para o outro. Não entendia como podia achar que estava sentindo menos por ela. Resolveu, então, tomar um banho para comprar o que faltava para fazer o seu almoço. Ligou o chuveiro bem quente, tentando mais uma vez afastar o frio.

Sua cabeça começou a passar outro filme, enquanta ensaboava seu corpo. Lembrou das travessuras que faziam debaixo do chuveiro, de sua mulher agindo de uma maneira sedutora, rindo naquela espiral gostosa que ele tanto apreciava. Começa em um tom baixo e ia subindo, aos poucos, até que terminava com um "hum", como se ali ela soubesse que tinha o domínio sobre toda a situação e sobre o seu corpo.

Após se enxugar, resolveu fazer a barba bem devagar. Queria saborear todas aquelas lembranças que não paravam de lhe inundar e, ao terminar, passou o perfume que ela tanto gostava como se quisesse atraí-la. Desejou que ela estivesse no seu quarto naquele momento para que pudesse ver se "Estava cheiroso o suficiente" como ela gostava de dizer, insinuando-se sobre o seu corpo e o cheirando. Por vezes, dava até uma mordidinha em seu pescoço.

Mas ela não estava lá. Sorriu, meio que de tristeza, ao constatar a cama vazia. Enquanto aprontava-se para ir ao supermercado, pegando sua blusa, percebeu que algo havia caído no chão. Era o primeiro cartão escrito por Kelly. Pegou-o e começou a admirar a sua letra. Era redondinha e bonita, parecendo um caderno de caligrafia. Seu "m" parecia um pequeno coração e sua fluência na língua o deixava sempre admirado por aquela mulher tão especial que tinha aparecido em sua vida.

Colocou o cartão de lado, apoiou os cotovelos em suas coxas e encostou a cabeça nas suas mãos. Suspirou profundo agora, sentindo falta dela. Tinha descoberto ali, naquele momento, que não é que seu amor por ela tinha diminuído. A falta dela por uma viagem urgente de trabalho é que lhe doía, incomodava não saber quando iriam se rever para que seus corpos pudessem se entrelaçar.

Riu de seu pensamento ao acordar, riu de uma maneira quase debochando de si mesmo, de sua ignorância. Ao rir, escutou um barulho tocar. Era o seu celular. Tinha recebido um bonito SMS de sua amada; ela deveria vê-lo agora, completamente ruborizado. Resolveu responder a ela, de uma maneira tão romântica quanto. Ao acabar de digitar, seus olhos ficaram marejados, emocionados com tudo aquilo. "Agora..." - disse ele para si, segurando o aparelho - "... só me resta esperar a mais doce solidão. E como é bom poder esperar por ela." Sorrindo de felicidade e saudade, enviou o seu torpedo.

Dias das mães

Para todas as mulheres que passam nove meses carregando um ser que não se sabe muito bem o que vai acontecer com ele na vida e nem como ele vai ser, mas que já começa a ser amado desde o momento em que tem somente a expectativa de nascer...

Para todas as mulheres que vão ter vários tipos de sentimentos possíveis sobre aquele ser: amor por ser mãe, decepção quando ele sair da linha, felicidade quando ele alcançar um objetivo almejado, um pouquinho de ciúme da nora ou do genro porque ninguém é de ferro, conselheira nas horas precisas e também aconselhada nas horas necessárias...

Para todas as mulheres que ainda não têm seus filhos, mas que buscam um parceiro para que possam prolongar sua existência na Terra através de um fruto sagrado, tão precioso e querido como se fossem elas próprias...

Para todas aquelas que já têm o seu parceiro para fazer isto, mas que precisam de tempo ou dinheiro para que isto possa se tornar realidade. Peço calma a todas vocês e sei que quando o momento certo chegar, vocês vão poder ter seus rebentos embalados em seus braços...

Para até as criancinhas que embalam seus "bebês", imitando o carinho que suas mães transmitem para elas e tentando, através disto, repetir o mesmo carinho que vão ter com seus filhos...

Para os mesmos filhos que vão dar a estas mesmas mães o orgulho de serem mães de novo, mas agora sem "tanta" (?) responsabilidade: vão ressurgir no papel de avós, podendo realmente ali "estragar" toda a educação dada pelos pais da criança...

Não que o seu dia não seja todo dia, mas sempre precisamos de um dia para lembrarmos de alguém especial: é assim no Natal, na Páscoa, nos aniversários... Por tudo isto e, obrigado a Deus pela minha: Feliz Dias das Mães!

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Emiliana e Germano

Emiliana já estava na casa dos seus trinta anos. Era uma moça linda, competentíssima profissionalmente e sempre desejosa de uma forma melhor de se especializar na sua área. Gostava de cursos, gostava de sempre ser desafiada naquilo que sabia. Por ser avessa a surpresas de qualquer tipo, preferia sempre estudar tudo sobre tudo para que isto nunca ocorresse com ela.


Engenheira do mais alto gabarito, era uma estrela ascendente de sua multinacional. Estudava fazer um MBA para se direcionar para uma área administrativa, mas não sabia se era exatamente o que ela queria. Não que pudesse perguntar para muitas pessoas; seus pais não eram de sua área, mas adorava ouvir a opinião deles -pais são sempre carinhosos e mais inteligentes quando para o benefício do filho - dos seus amigos do trabalho só se relacionava com Armênia a fundo, sendo mais amiga por ser amiga dos outros. Seu noivo atual era algo de outro mundo, só podendo ser descrito como a tratando como outra coisa, menos como uma noiva merecia ser tratada.

É daí que poderíamos partir para tentar entender esta nosta Emiliana. Era uma pessoa profundamente boa de coração - o sofrimento de uma infância sem luxos a mostrou como o esforço preconiza o poderio financeiro - e que o único lugar do mundo onde sucesso vem antes do trabalho é o dicionário. Temos uma aluna estudiosa no colégio, mas recatada em seus vínculos sociais. Destestava o fato de ser enganada, o que trazia problemas em algumas relações sociais, principalmente as afetivas.

Aprendeu ao longo dos anos a não dividir muitas coisas com seus companheiros, sendo que até mesmo o noivo que tinha amado com clamor, não havia mais muito ali para poder nascer uma árvore fértil. A que estava lá morria dia-a-dia com a indiferença, tornando-se oca por dentro, mera relíquia de um museu emocional já tão esturricado de decepções. Nossa heroína carrega dores, como todos nós humanos.

Sua rotina de trabalho estava stressante. Resolvia vários pepinos desde a fusão da empresa e não pretendia perder sua fonte de renda tão preciosa. Não que não pudesse ser alocada em outros lugares: propostas de trabalho choviam-lhe aos montes, porém gostava da sua empresa em particular. Com pouco tempo para descansar, pouco contato com os amigos e um companheiro distante, sua psique começou a acumular tensões.

Juntemos isto a sua tão maravilhosa dieta para manter-se no peso ideal para sua altura e idade, com a tomada de medicamentos que embora corretos lhe privassem todos os prazeres gustativos, já teríamos uma panela de pressão prestes a explodir a qualquer momento. Poderia descrever que pelo fato de não ter intimidade com seu noivo há mais de um mês e estarmos no ponto do mês em que seu organismo é inundado por hormônios: TPM.

Emiliana andava pelo shopping, após mais uma enorme discussão com o seu noivo. Estava chateada e tinha tido razão na sua discussão: enquanto ela basicamente dizia que queria se sentir querida, de várias maneiras, ele somente concordavam com o famoso "Huummm", dizendo outras bobagens sem sentido para ela. Coisificou-a como uma viga de pilastra, pensava ela. Ela desligou a ligação e também o telefone. Os dois. Desejava agora ficar sozinha com ela mesma.

Passando por uma loja de perfume, resolveu entrar para distrair a cabeça. Enquanto perguntava sobre suas marcas preferidas - adorava um cheiro bom ao seu corpo, como se fosse um ritual de preparação para seus sempre árduos dias - sentiu ser tocada por trás. Reclamou avidamente, sem nem ao menos notar quem estava ali. Falava coisas sem sentido, nervosa, praticamente a beira de um ataque de nervos. Os psicanalistas chamariam de surto de histeria.

O rapaz olhou-a nos olhos, não dizia nada. Ela se sentiu constrangida por ter descarregado tudo aquilo em cima de uma outra pessoa que não merecia. Não gostava de ver as pessoas maltratando as outras, principalmente ela maltratando alguém que não tinha nada haver com as suas questões internas. Envergonhada e tímida, sentiu como se tornasse pequena. Queria que naquele momento o chão se abrisse e ela caísse em um buraco distante.

O rapaz apenas sorriu para ela e disse:

- "Dia difícil, hein?

- "Meses difícieis, deveria dizer. Eu queria..."

-"Ah, se vai me pedir desculpas, tem que ser ao menos no Café aqui do lado. Parece que precisa de uma palavra amiga. Diria que nem tão amiga, pois acabos de nos conhecer, mas que tal uma palvra amigavelmente proferida por um estranho?"

Ela sorriu, meio constrangida com tudo aquilo. Acabou por aceitar o convite daquele estranho chamado Genésio. Ela desabafou tudo para um estranho, como se estivesse em um consultório de psicanálise onde a sessão durasse mais do que uma hora. Pra ser preciso, perderam a hora conversando. Ele fazia comentários pertinentes e sinceros, de uma maneira delicada e gentil. Ela ficou interessada na sua vontade de ajudar o próximo. Foi a sua vez de deixá-lo constrangido.

Contou a ela que tinha acabado de sair de um relacionamento amoroso e que havia sido demetido do emprego, que teria que voltar a morar com seus pais. Ficava chateado porque sempre foi um brilhante consultor na área jurídica, mas que se sentia feliz por um novo recomeço. Ela sorriu e disse para ele a coisa mais bonita que lhe haviam dito:

-"Não se preocupe, vai dar tudo certo." - e sorriu, sorvendo um pouco do café.

Quando Emiliana pousou sua mão na mesa, sentiu a mão dela em cima da sua. Sentiu seus dedos tocando os dela e um calor subiu-lhe pelo tórax. O toque era suave e sua mão lisa, como se fosse a de um anjo. Queria retirar a sua mão debaixo da dele, mas a parte que não queria, a parte que precisava ser tocada, a parte que há muito não sentia algo de tão especial, de tão puro em um leve encostar de dedos misturado com toda a gentileza e ser humano encantador que Germano era acabou ganhando.

-"Muito obrigado," - disse ele, enquanto seus olhos quase verteram em lágrimas, seguradas por ele e deixando seus olhos mais bonitos do que antes, refletindo melhor a luz da Cafeteria -" fazia tempo que não havia nada tão sincero comigo, nem que fosse em pequenas e calorosas palavras."

Emiliana reagiu ao galenteio de maneira inesperada até mesmo para ela. Pegou sua outra mão e fez um carinho na de Germano, algo pequeno. Passou seus dedo indicador e o médio para frente e para trás, tentando sentir um pouco mais daquele afeto guardado dentro dele. Enquanto observava sua mão acariciando a de Germano, sentia que ele estava absorto naquele gesto.

Quando ela levantou seu rosto, voltando para sua postura, encontrou os olhos dele completamente entregues aos seus. Ela sentiu um calor enorme, nunca tinha experimentado aquela sensação em tão pouco tempo e por alguém tão desconhecido. Germano levantou a mão dela e apenas carinhosamente a beijou. Ela fechou os olhos, sentindo-se como uma musa inspiradora de um poeta e cantor romântico.

Não havia mais nada para ser dito naquele momento e nada mais foi dito. Foi tudo apenas feito de uma maneira bem carinhosa e amorosa, mas com determinação e afinco. Após algumas horas, conversaram mais sobre muitas coisas. Perderam-se de novo em meio às suas palavras e prometeram que talvez se encontrassem de novo. E de novo, aconteceu. E outras vezes seguiram estas, até que os dois estavam completamente apaixonados um pelo outro.

Ela casou (não com o noivo, mas com ele) pouco tempo depois que coincidentemente ele havia arrumado um emprego muito melhor do que o anterior. Ele a chamava de talismã da sorte porque nunca havia tido tamanha recompensa profissional e amorosa. Ela o chamava de meu amorzinho, por ser toda a personificação do que ela sempre esperou de um homem e que estava ali, entregue e desnudo de corpo e alma para ela.

Tiveram filhos, dois para ser exato. Manuela e Pedro Henrique foram os nomes dados a eles. Devo adimitir que também tiveram momentos difíceis, brigas, discussões. Ela não tinha um gênio fácil quando de mau humor, mas o fato de Germano ser larger than life (maior do que a vida) sempre direcionou o casal, assim como o jeio prático de Emiliana sempre os orientou rumo a um porto seguro.
 
Eles tinham um ao outro, haviam se encontrado em um momento tão difícil e especial que foi uma das maiores histórias de amor que tive o prazer de conhecer. E de lhes narrar também. Por vezes, nossos pruridos sociais mostram-se preconceituosos pela felicidade alheia. Devemos apenas observar a felicidade como ela é: rara e difícil, podendo ser achada em poucos lugares e tendo que ser batalhada a cada dia de nossas vidas para que nossa vida possa ser parte dela.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Adália e Amélio

Adália era uma adulta já compromissada com o seu lado profissional. Uma brilhante advogada trabalhista, se esforçava cada dia e cada noite para cada vez mais saber mais, para poder finalmente fazer sua tão sonhada prova para a Justiça do Trabalho. Tinha um sonho dentro de si: desejava a árdua e extremamente desafiadora carreira da magistratura federal nesta área específica.

Tinha dois romeus na sua vida, mas romeus sem muito graça. Um era um antigo namorado que nem mais a deixava com friozinho na barriga. Outro era uma rapaz que conheceu ainda na época de estágio da faculdade quando o mesmo também estagiava na Defensoria Pública Estadual. Ele era estudante de psicologia e eles sempre conversavam, trocavam algumas confidências. Nada passando, até aquele momento, de tensão.

Adália conseguiu seu tento, após árduas provas. Suava frio na prova oral e, por muito pouco, não foi classificada por uma pergunta simples de classificação do objeto. Era um peixe. Parou para pensar nas várias possibilidades sobre como seria aquele peixe específico do desembargador-examinador. Perguntou para ele qual o tipo do peixe e ele simplesmente falou para ela prosseguir e "parar de engabelação e dar prosseguimento com a resposta".

Ela, porém, saiu-se mais sagaz que o seu examinador e especificou que poderia ser fungível se fosse um peixe qualquer, em larga escala na natureza. Infungível se ele fosse objeto de manipulação genética, tornando-o único por seu tipo, sua longevidade genética ampliada e tendo o seu processo sido destruído. Seria consumível, com certeza absoluta. Seria divisível se fosse somente ele, mas indivisível se fosse ele parte de um cardume no qual ele fosse o reprodutor e diferencial pelo pacote inteiro a ser vendido.

Alguém tão sagaz deste jeito mereceria uma sorte melhor no amor. Grande surpresa foi que dispensou o ex-namorado com uma rapidez meteórica, sem a menor afeição: sempre lembrou da tristeza ao se sentir menosprezada por ele e tratou-o com a mesma desafeição - mas com mais dignidade. Sua vida continuou a se desenrolar, até um dia em uma sessão específica sob seu Tribunal.

A reclamação trabalhista era de uma faxineira que trabalhava em uma hospedagem que tinha quartos extremamente baratos, porém não realizava qualquer função de arrumação em que desse lucro para a contratante. A contratante (uma senhorinha de seus oitenta anos) somente a havia contratado para arrumar a cozinha e fazer-lhe comida e companhia. A alegação era de que, na verdade, ela era empregada doméstica e não uma faxineira. O curioso foi a testemunha chamada.

Um jovem ator - aparentando seus vinte e cinco anos - também interessado em música foi chamado para testemunhar. Chamou a atenção de Adália o jeito como ele não se sentia intimidado com o depoimento. Normalmente, vi testemunhas nervosas, com o medo de serem aterrorizadas a qualquer momento ou serem colocadas para fora dali direto para a prisão, mas não aquele rapaz. Adália sorriu-se e pensou que não era muito mais velha do que ele, apenas cinco anos.

Quando ele sentou para testemunhar, casou uma estranheza enorme em Adália. Chamou-a de dona, dizendo que a faxineira nem ia tanto lá assim, só duas vezes por semana e ainda cozinhava mal para a dona Gioconda. Ele próprio, Amélio, tinha que por vezes ir para a cozinha fazer um almoço para ela. Ele dizia que pagava sua hospedagem arrumando os quartos de lá porque sua banda, Ensaia mas não fatura, estava passando por uma crise; mas que iria tocar na Lapa e que a dona juíza estava convidada.

Um constrangimento abateu-se sobre a sala e Adália apenas pigarreou. Deixou prosseguir a sessão, negando peremptoriamente o pedido da reclamante; alertou-a para não brincar com o judiciário e ameaçou de denunciar o advogado dela por tentar manipular dolosamente a sua cliente. Ela nunca tinha feito isto antes e considerava um choque tal atitude.

Na saída, esbarrou com Amélio. Reparou que ele usava uma calça jeans rasgada, com vários detalhes. Camisa e tênis brancos, barba por fazer e olhos castanhos. Sentiu como se fosse uma heresia aquele rapaz entrar assim em um lugar onde a Justiça era decidida e o repreendeu por se vestir daquele jeito. Ele sorriu, um sorriso largo. Adália não entendeu nada e muito menos não esperava o que estava por vir.

-"Dona juíza..." - dizia ele, " Eu não a repreendo por usar essas roupas caretas, mas entendo que precise porque necessita passar uma imagem de uma pessoa séria. Mas não esquenta: dá pra sacar que você sabe das coisas e principalmente desses negócios de lei. Só acho que não importa muito o que se usa... Mas quem está do nosso lado. Yves Saint Laurent dizia que para a mulher ser bela, basta usar um suéter negro, uma saia negra e estar do lado do homem que ama. Citei-o porque percebo que eu tailleur é de lá. Bela peça."

Assombrou-se com isto, e ainda mais com o que veio a seguir. Ele continuou: -"Sei que está triste e assoberbada de trabalho, mas se for até o bar em que irei tocar prometo que irá se divertir de uma maneira como nunca antes. Apareça lá e prometo que vai ser inesquecível." Terminou está frase fitando-a nos olhos, o que gerou em Adália um certo encolhimento em sua própria casca de defesa. Nisto, ele partiu.

Na sexta-feira, ela compareceu ao lugar, incomodada com o ambiente. Usava um salto alto elegante, porém com uma calça jeans e a blusa mais moderninha que tinha em seu guarda-roupa, o que a fazia simplesmente destoar de todo aquele lugar. Quando ficou por mais um minuto lá dentro, desistiu de continuar com aquele história maluca - não iria deixar um desconhecido afetá-la tanto assim e resolveu ir embora.

Nesta virada, esbarrou com Amélio. Ele abriu um outro largo sorriso, diferente do anterior, porém ainda de leitura indefinida para a nossa heroína. Ela sorriu, meio constrangida e disse:

-"Oi. Acabei passando por aqui..."

-"Ah, que bom que você veio. Fico feliz mesmo! Anh... Tem que te chamar de dona juíza aqui também?" Riu daquele situação de ansiedade que transpirava, e esperou como se esperasse a reação de um experimento científico enquanto se coloca uma outra variável caótica em meio a este busca.

Adália sorriu, tímida e até enrubescida com um galanteio tão desordenado. Disse que não precisava ser chamada assim nem ali, nem no tribunal. E que ali, especificamente, poderia ser somente Adália. Ele a cumprimentou, com um abraço e um beijo no rosto, o que fez com que a temperatura de Adália subisse um pouco mais. Ele a levou até uma mesa perto do que parecia ser um projeto mal acabado de palco e cumprimentou o público.

Leu duas poesias de Vinícius de Moraes e começou a tocar Wando. Passou por Fagner, Caetano e Gil. Tinha um jeito diferente e inusitado de retratar aquelas canções, por vezes usando referencias de máscaras e outras pequenas variações em instrumento improvisados, como se fosse a primeira vez que a música estivesse saindo. Ao final do show, ele se dirigiu ao bar, ainda com a banda no palco, e começou a gritar e aplaudir como um alucinado pedindo um bis.

Todos riram e entraram na onda, até mesmo Adália. Ela sentiu como se tivesse sendo alvo de um olhar específico, mas não deu-se por rogada. Pediu bis e até assoviou. Não sabia se era o vinho que havia ali tomado, mas estava realmente mais a vontade com aquele situação. Nisto, quando ia pegar seu copo, sentiu uma mão tocando a sua e levando-a para o palco. Ela tentou resistir, mas deixou-se levar.

Amélio a sentou em um banco alto de bar e a banda começou a introdução. Ele começou a cantar "Todo amor que houver nesta vida". O bar todo estava escuro e um holofote somente ficava iluminando Adália. Sua vaidade aflorou-se e sentiu-se realmente o centro das atenções daquela noite. Sentia que cada palavra proferida por Amélio era para ela. A execução foi perfeita... Os aplausos duram alguns minutos, tempo em que pegou Adália e a fez agradecer; ao microfone falou: -"Agradeçam a minha musa inspiradora que me fez esta catarse hoje. Obrigado"

Adália não mais entendia nada. Foi sentar-se na sua mesa enquanto Amélio conversava com sua banda. Foi até o bar, pegou um dinheiro (que seria o da apresentação) e dividiu-o entre a banda. Chegou na mesa dela e falou que a iria levar para jantar e que ele pagaria desta vez, como uma prova de que havia um outro novo mundo que ela ignora e que a estava fascinando cada vez mais.

Foram comer um cachorro quente na esquina, uma das melhores coisas que ela havia experimentado, embora a maionese estivesse com uma procedência duvidosa. Ao acabar, recebeu uma rosa vermelha de Amélio. Olhando fundo nos seus olhos, ele a entregou de uma maneira tão romântica e leve que Adália, naquele momento, é quem havia abaixado todas as suas defesas e se entregue para ele. Beijaram-se ali, com gosto de mostarda e catchup, sabor da paixão e um desejo meio guardado, meio escondido... Mas integralmente se doando um para o outro.

Riram daquela situação, enquanto ele, após o beijo, limpava gentilmente seu lábio na parte superior esquerda da mostarda que havia sobrado com os dedos. Ela, em um gesto avançado e inesperado, beijo seus dedos sujos do condimento. Agora o sorriso na boca de Amélio era de desejo, não mais de estarem sem jeito um com o outro. Aquele beijo magicamente tinha aberto as portas da alma de um para o outro e erigido uma das mais belas pontes projetadas em tão pouco tempo.

Amaram-se loucamente dentro do carro de Adália, em um cantinho escondido, perto de uma grande casa. Trocaram confidências, risadas, carícias e desejos. Conversaram coisas amenas enquanto se recuperavam para mais uma rodada que durou várias rodadas de horas, até praticamente amanhecer. Exaustos demais, trocaram telefones e foram cada uma para o seu referencial de lar.

Adália dormiu completamente tocada pelo que havia acontecido. Quase não dormiu. Não tomou seu banho habitual pois desejava dormir com o cheiro daquele homem que a amara de uma maneira tão inusitada como nenhum outro homem jamais a amara. Resolveu, por via das dúvidas, entrar no msn para conversar com uma amiga sua de infância para tentar entender.

Neste ponto, conecta-se a rede o seu amigo psicólogo, recém-formado. Disse que estava no Paraná, morando lá e que seu noivado havia acabado. Queria voltar para o Rio de Janeiro para vê-la e desejava muito a ter em seus braços. Adália, que sempre se sentiu balançada por ele, sorriu ao ver tal declaração de uma maneira tão singela, porém aquém do que ela precisava naquele momento.

Embora o conhecesse há anos, sabia que poderia pisar em terreno mais tranquilo se ajustando ao seu amigo; refletiu e pensou que se até aquele momento não tinha tido a coragem nem de ter tido um pequeno romance com ele, embora estivesse noivo já à época da universidade, decidiu pedir para ele aguardar um pouco a decisão dela sobre se ele viria ou não para o Rio. Ele falou que já estava lá e queria encontrá-la no dia seguinte.

Dormiu. Confusa, teve pesadelos a noite toda, com partes boas e partes ruins em seus sonhos. Lembrou-se de algumas partes. Quando acordou, havia uma mensagem no seu celular. Desejou ver rápido do que se tratava e era uma mensagem de Amélio dizendo o quanto foi especial tê-la tido em seus braços e que desejaria a ver de novo em breve, mas que iria esperar agora ela o convidar.

Sorriu de sua ousadia, sentiu uma certa dose de narcisismo. Parou e ficou olhando a tela do celular. Eram dez horas da manhã e não sabia bem o que fazer. Resolveu tomar um banho para pensar melhor e arrumar-se para sair e almoçar na casa de sua mãe. Lá chegando, qual foi sua surpresa ao ver que o Fagundes estava lá. Sorriu, constrangida por aquela situação e todos sentaram-se a mesa para comer.

A sua mãe o elogiava constantemente, mas ela já o olhava de uma maneira meio distante. Olhou para ele não mais com aquela curiosidade baseada na volúpia, mas sim como se fosse um filme que tinha visto na infância e que era meramente um referencial de algo que já tinha passado, tomado o seu próprio trem da história em um trilho bem diferente do vagão desejado por Adália.

Pegou-se pensando no palco, enquanto o holofote somente a iluminava e a palavra musa veio em sua cabeça, ecoando junto com os aplausos e o gosto do beijo de Amélio. Despertou com sua mãe pigarreando, já retirando os pratos do almoço. Quando Fagundes tocou a sua mão, esperava sentir um calor, um arrepio de desejo. Percebeu que era uma mera expectativa de algo que lhe não tinha provado, mas era só. Fagundes percebeu isto e aproveitou a mesa vazia para perguntar o que havia acontecido.

-"Musa." - ela respondeu

-"Como assim musa?"

Ela sorriu para si mesma, sentindo um calor no seu coração. Falou que tinha encontrado alguém que tinha abalado as suas estruturas, mexia com ela de uma maneira que nem ele mexia com ela nos tempos de estágio. Relatou que sua noite havia sido mágica e que desejava mais noites mágicas como aquela, embora soubesse que a rotina poderia vir a lhe afligir a vida e que ele não tinha nenhuma segurança financeira. Fagundes, meio sem jeito, ainda tentou uma última investida, sem sucesso. Adália apenas tocou em sua mão, dando dois tapinhas.

Levantou-se da mesa e foi embora, se despedindo rapidamente de seus pais. Nem ao menos esperou o café que tanto gostava que sua mãe fizesse, com uma mistura de canela junto ao pó. Já fora do prédio dos seus pais, ligou para Amélio. Não sabia muito bem no que daria sua escolha - nunca tinha tomado uma atitude daquele jeito, mas sentia nele um fumus boni iuris e um periculum in mora de perder uma ótima oportunidade - e tinha decidido que desejava ser feliz, que desejava que aquele pequeno ator e poeta a torna-la mais e mais alegre a cada dia de sua vida - tinha, enfim, achado o seu romeu ideal.

sábado, 1 de maio de 2010

Um conto grego

Sua mãe deu a ele o nome de Ulisses porque gostaria que ele fosse mais combativo na vida do que ela tinha sido. Tinha lido que era um grande herói grego e gostaria que seu filho fosse o mesmo. Ulisses, todavia, escolheu ser uma pessoa serena e pacífica, porém justa. Lutava por seus ideais até o ponto que podia, não importando se aquilo fosse partir seu coração como uma taça de cristal que cai ao chão. A batalha de Ulisses maior sempre foi a interna.

Ulisses foi ser estudante de direito. Era apaixonado pelas leis e por como poderia ser disciplinada uma conduta social através de um sentido de justiça que... Que peca em muito do nosso ordenamento jurídico brasileiro atual. Chateou-se em demasia com a faciliade que o Direito Penal proporciona ao meliante que deseja continuar na sua conduta anti-social. Estudava com afinco para ter um futuro digno e era só o que desejava para o seu momento.

Porém, como toda história épica, conheceu uma pequena moça na internet. Pequena de tamanho, porém enorme no seu conteúdo. Era de uma cidade tão, tão distante; lembrava a descrição perfeita do Amor Platônico, algo que ficava situado no Mundo das Idéias e era tão difícil de alcançar. Conversaram por minutos que se transformaram em horas. Estas horas viraram dias, dias até o dia do fatídico encontro que foi selado pelos Deuses do Destino e do Amor. Ele havia abençoado aquele casal, através de seu comandado, o Cupido.

Encontraram-se e apaixonaram-se um pelo outro. A distância era um fator extremamente complicador, mas ambos estavam dispostos a fazer de tudo para que pudessem ficar juntos. Não procuravam se cobrar nada sobre os encontros, apenas frustavam-se muito ao combinarem e não poderem verdadeiramente efetivarem aquela história de amor a ter mais um capítulo escrito. Ulisses buscava minimizar a dor de Jurema, falando que era apenas contingencial. Tinha um largo sorriso na fala e conseguia exprimir tão bem suas palavras que até mesmo ele acreditava naquilo. E o mais importante: ela acreditava.

Após desligar o telefone, Ulisses já começava a sentir os sintomas típicos da SAJ (Síndrome da Abstinência de Jurema): se entregou a dor mais profunda e lancinante que pode haver para qualquer pessoa. Sentiu-se solitário no seu apartamento, no seu quarto de apartamento, vendo pela janela as pessoas andarem na rua. Via um casal jovem passeando com sua filha pequena, sorrindo. O sol iluminava aquela cena e percebia carros passando na rua. Visualizava que havia alguém só também na rua e sentiu um alívio por não ser o único que estava subjugado a... Não, ele notou que encontrou o que parece ser sua namorada. Doía-lhe.


Doía-lhe o fato de não saber mais do que se tratava, na verdade. Vejam, a dor já estava há tanto tempo e de uma maneira que tanto o consumia que nem ele mais sabia quando ela começou. Não sabia se foi na ida, na volta ou no meio do caminho. Tinha a certeza de que ela já existia e já estava lá, pesando no seu coração como o fiel da balança de um voto, como se a própria Atena pendesse a balança para um lado. E Ela o pendia para o seu lado humano.

Doía ser humano. O processo é que é interessante, pensava ele: estamos sendo humano cada dia das nossas vidas, mesmo quando negamos o que de humano há em nós. Quando nos tornamos animais irascíveis, cheios de raiva, estamos sendo humanos. A raiva é uma outra faceta da paixão. Aliás, para os gregos a paixão era uma doença: pathos é doença, por isto a medicina chama o estudo delas de Patologia (não é a ciência dos patos).

Alegrou-se momentaneamente. O seu bom humor, embora não tenha sido a melhor piada, pensou, havia voltado. Comeu algo, pois podia ser fome. Era fome, mas não a fome de comida. Era a fome de afeto, a fome que a própria solidão gerava, que ficava tilintando na sua cabeça dia e noite, de uma maneira tão incansável que faria esmorecer qualquer tipo de resistência física, como o muro mais forte do castelo mais bem projetado.

Sentou, quase chorou. Quase chorou pela oportunidade que hoje lhe foi vilipendiada de ter Jurema do seu lado. Entristeceu-se por não ter ao seu lado aquela que gostaria de estar, mas estava também impossibilitada. Amaldiçoou, por um segundo apenas, a impossibilidade daquele casal. Escurtou, ao longe, uma risada de algum ser onírico que se divertia com aquilo. Respirou, passou a mão no cabelo e suspirou, quase que buscando de volta a pouca razão que tinha e que já tinha perdido.

Parou. Visualizou o cartão vermelho que que tinha recebido de sua amada. Um sinal dos Deuses, talvez? Pegou-o e o abriu. Leu, releu... Sentiu o cheiro do cartão, com o doce perfume imaginário que ele deveria ter, porém que havia se esgotado. Passou ele no seu rosto como se quisesse passar o seu rosto no de Jurema, acarinhando-a tenramente como fazia, quase como se fosse um gato se roçando no sofá de uma sala de estar.

Tocou-o, buscando sentir sua pele sedosa e perfeita, como se fosse um pequeno pêssego. Colocou-o junto do seu coração porque é onde ele queria que o coração da sua adorável Vênus estivesse, junto do seu. Andou pela casa com ele, como se quisesse apresentar um futuro lar para Jurema, numa vã esperança de que ela poderia tocar aquela campainha e dizer que tudo não passava de uma pegadinha. Parou em frente a porta e fez que não com a cabeça, abaixando-a. Sentiu algo no peito... Vazio. Parou de doer, quase.

Estranho... Sentiu uma sensação boa na boca. Era o gosto de sua pequena flor do campo que vinha até ele. Saboreou cada micro-segundo desta pequena dádiva que Deus tinha lhe concedido através do seu Centro Límbico. Após isto, realmente parou de doer. Lembrou-se de seus dias juntos, seus jantares, seus cafés-da-manhã, suas loucuras de amantes completamente desinibidos e entregues um a luxúria do outro, como se fossem - e são até hoje -  um brinquedo de prazer um do outro, para que possam ser explorados de uma maneira tão devassa e inapropriada que só poderia ser justificada por uma palavra: Amor.

Ulisses abriu um sorriso largo. Tinha passado por todos os tipo de sensações do maravilhoso Amor que viviam. Tinha se desesperado, tinha quase vertido lágrimas... E acabou como acabam todos os amantes esperançosos e conscientes do que o que possuía era raro: uma mulher de enorme beleza e sedução, com inteligência e perspicácia ímpares, capaz de dobrar o coração de reis e ter em suas mãos os mais poderosos deuses como uma marionete de sua vontade. E, mesmo assim, ela o tinha escolhido. Agradeceu aos Deuses com um sorriso e pensou-lhe em escrever algo que pudesse dizer tudo o que havia sentido e tudo o que poderia honrar, de uma maneira nobre e cavalheiresca, tudo o que sentia por sua amada.
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