sexta-feira, 7 de maio de 2010

Emiliana e Germano

Emiliana já estava na casa dos seus trinta anos. Era uma moça linda, competentíssima profissionalmente e sempre desejosa de uma forma melhor de se especializar na sua área. Gostava de cursos, gostava de sempre ser desafiada naquilo que sabia. Por ser avessa a surpresas de qualquer tipo, preferia sempre estudar tudo sobre tudo para que isto nunca ocorresse com ela.


Engenheira do mais alto gabarito, era uma estrela ascendente de sua multinacional. Estudava fazer um MBA para se direcionar para uma área administrativa, mas não sabia se era exatamente o que ela queria. Não que pudesse perguntar para muitas pessoas; seus pais não eram de sua área, mas adorava ouvir a opinião deles -pais são sempre carinhosos e mais inteligentes quando para o benefício do filho - dos seus amigos do trabalho só se relacionava com Armênia a fundo, sendo mais amiga por ser amiga dos outros. Seu noivo atual era algo de outro mundo, só podendo ser descrito como a tratando como outra coisa, menos como uma noiva merecia ser tratada.

É daí que poderíamos partir para tentar entender esta nosta Emiliana. Era uma pessoa profundamente boa de coração - o sofrimento de uma infância sem luxos a mostrou como o esforço preconiza o poderio financeiro - e que o único lugar do mundo onde sucesso vem antes do trabalho é o dicionário. Temos uma aluna estudiosa no colégio, mas recatada em seus vínculos sociais. Destestava o fato de ser enganada, o que trazia problemas em algumas relações sociais, principalmente as afetivas.

Aprendeu ao longo dos anos a não dividir muitas coisas com seus companheiros, sendo que até mesmo o noivo que tinha amado com clamor, não havia mais muito ali para poder nascer uma árvore fértil. A que estava lá morria dia-a-dia com a indiferença, tornando-se oca por dentro, mera relíquia de um museu emocional já tão esturricado de decepções. Nossa heroína carrega dores, como todos nós humanos.

Sua rotina de trabalho estava stressante. Resolvia vários pepinos desde a fusão da empresa e não pretendia perder sua fonte de renda tão preciosa. Não que não pudesse ser alocada em outros lugares: propostas de trabalho choviam-lhe aos montes, porém gostava da sua empresa em particular. Com pouco tempo para descansar, pouco contato com os amigos e um companheiro distante, sua psique começou a acumular tensões.

Juntemos isto a sua tão maravilhosa dieta para manter-se no peso ideal para sua altura e idade, com a tomada de medicamentos que embora corretos lhe privassem todos os prazeres gustativos, já teríamos uma panela de pressão prestes a explodir a qualquer momento. Poderia descrever que pelo fato de não ter intimidade com seu noivo há mais de um mês e estarmos no ponto do mês em que seu organismo é inundado por hormônios: TPM.

Emiliana andava pelo shopping, após mais uma enorme discussão com o seu noivo. Estava chateada e tinha tido razão na sua discussão: enquanto ela basicamente dizia que queria se sentir querida, de várias maneiras, ele somente concordavam com o famoso "Huummm", dizendo outras bobagens sem sentido para ela. Coisificou-a como uma viga de pilastra, pensava ela. Ela desligou a ligação e também o telefone. Os dois. Desejava agora ficar sozinha com ela mesma.

Passando por uma loja de perfume, resolveu entrar para distrair a cabeça. Enquanto perguntava sobre suas marcas preferidas - adorava um cheiro bom ao seu corpo, como se fosse um ritual de preparação para seus sempre árduos dias - sentiu ser tocada por trás. Reclamou avidamente, sem nem ao menos notar quem estava ali. Falava coisas sem sentido, nervosa, praticamente a beira de um ataque de nervos. Os psicanalistas chamariam de surto de histeria.

O rapaz olhou-a nos olhos, não dizia nada. Ela se sentiu constrangida por ter descarregado tudo aquilo em cima de uma outra pessoa que não merecia. Não gostava de ver as pessoas maltratando as outras, principalmente ela maltratando alguém que não tinha nada haver com as suas questões internas. Envergonhada e tímida, sentiu como se tornasse pequena. Queria que naquele momento o chão se abrisse e ela caísse em um buraco distante.

O rapaz apenas sorriu para ela e disse:

- "Dia difícil, hein?

- "Meses difícieis, deveria dizer. Eu queria..."

-"Ah, se vai me pedir desculpas, tem que ser ao menos no Café aqui do lado. Parece que precisa de uma palavra amiga. Diria que nem tão amiga, pois acabos de nos conhecer, mas que tal uma palvra amigavelmente proferida por um estranho?"

Ela sorriu, meio constrangida com tudo aquilo. Acabou por aceitar o convite daquele estranho chamado Genésio. Ela desabafou tudo para um estranho, como se estivesse em um consultório de psicanálise onde a sessão durasse mais do que uma hora. Pra ser preciso, perderam a hora conversando. Ele fazia comentários pertinentes e sinceros, de uma maneira delicada e gentil. Ela ficou interessada na sua vontade de ajudar o próximo. Foi a sua vez de deixá-lo constrangido.

Contou a ela que tinha acabado de sair de um relacionamento amoroso e que havia sido demetido do emprego, que teria que voltar a morar com seus pais. Ficava chateado porque sempre foi um brilhante consultor na área jurídica, mas que se sentia feliz por um novo recomeço. Ela sorriu e disse para ele a coisa mais bonita que lhe haviam dito:

-"Não se preocupe, vai dar tudo certo." - e sorriu, sorvendo um pouco do café.

Quando Emiliana pousou sua mão na mesa, sentiu a mão dela em cima da sua. Sentiu seus dedos tocando os dela e um calor subiu-lhe pelo tórax. O toque era suave e sua mão lisa, como se fosse a de um anjo. Queria retirar a sua mão debaixo da dele, mas a parte que não queria, a parte que precisava ser tocada, a parte que há muito não sentia algo de tão especial, de tão puro em um leve encostar de dedos misturado com toda a gentileza e ser humano encantador que Germano era acabou ganhando.

-"Muito obrigado," - disse ele, enquanto seus olhos quase verteram em lágrimas, seguradas por ele e deixando seus olhos mais bonitos do que antes, refletindo melhor a luz da Cafeteria -" fazia tempo que não havia nada tão sincero comigo, nem que fosse em pequenas e calorosas palavras."

Emiliana reagiu ao galenteio de maneira inesperada até mesmo para ela. Pegou sua outra mão e fez um carinho na de Germano, algo pequeno. Passou seus dedo indicador e o médio para frente e para trás, tentando sentir um pouco mais daquele afeto guardado dentro dele. Enquanto observava sua mão acariciando a de Germano, sentia que ele estava absorto naquele gesto.

Quando ela levantou seu rosto, voltando para sua postura, encontrou os olhos dele completamente entregues aos seus. Ela sentiu um calor enorme, nunca tinha experimentado aquela sensação em tão pouco tempo e por alguém tão desconhecido. Germano levantou a mão dela e apenas carinhosamente a beijou. Ela fechou os olhos, sentindo-se como uma musa inspiradora de um poeta e cantor romântico.

Não havia mais nada para ser dito naquele momento e nada mais foi dito. Foi tudo apenas feito de uma maneira bem carinhosa e amorosa, mas com determinação e afinco. Após algumas horas, conversaram mais sobre muitas coisas. Perderam-se de novo em meio às suas palavras e prometeram que talvez se encontrassem de novo. E de novo, aconteceu. E outras vezes seguiram estas, até que os dois estavam completamente apaixonados um pelo outro.

Ela casou (não com o noivo, mas com ele) pouco tempo depois que coincidentemente ele havia arrumado um emprego muito melhor do que o anterior. Ele a chamava de talismã da sorte porque nunca havia tido tamanha recompensa profissional e amorosa. Ela o chamava de meu amorzinho, por ser toda a personificação do que ela sempre esperou de um homem e que estava ali, entregue e desnudo de corpo e alma para ela.

Tiveram filhos, dois para ser exato. Manuela e Pedro Henrique foram os nomes dados a eles. Devo adimitir que também tiveram momentos difíceis, brigas, discussões. Ela não tinha um gênio fácil quando de mau humor, mas o fato de Germano ser larger than life (maior do que a vida) sempre direcionou o casal, assim como o jeio prático de Emiliana sempre os orientou rumo a um porto seguro.
 
Eles tinham um ao outro, haviam se encontrado em um momento tão difícil e especial que foi uma das maiores histórias de amor que tive o prazer de conhecer. E de lhes narrar também. Por vezes, nossos pruridos sociais mostram-se preconceituosos pela felicidade alheia. Devemos apenas observar a felicidade como ela é: rara e difícil, podendo ser achada em poucos lugares e tendo que ser batalhada a cada dia de nossas vidas para que nossa vida possa ser parte dela.

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