sábado, 3 de julho de 2010

Manuel Arthur e Antônia

Manuel Arthur era um sujeito um tanto quanto composto. Em seu parco entendimento lingüístico, preferia ter nascido apenas com um nome, para que pudesse ser mais simples. Ora ele agia como Manuel, ora ele agia como Arthur. Por uma destas coincidências do destino, trabalhava na área de relatórios revisionais e críticas. Seu trabalho consistia em, basicamente, apenas apontar erros e qualidades. Porém, como em quase tudo em sua vida, ficava indeciso e nunca fazia um fechamento, apontando um direcionamento.


No campo do amor, então, teríamos que falar que ele tratava a si mesmo como um verbo intransitivo, incapaz de se relacionar com o seu objeto direto de desejo, invariavelmente nem mesmo caindo no campo do amor platônico. Achava-se por demais simplório em suas concepções de vida: trabalhar para sustentar sua família, ser fiel a sua esposa e também amá-la intensamente. Adicionaríamos a ela, o seu desejo intrínseco de ter filhos. Para ele, era simplório para toda e qualquer mulher um homem destes.

Estranhos e curiosos são os caminhos de nossa vida. Estranho e curioso também seria o de nosso intrépido anti-herói. Em uma destas segundas-feiras, em que não esperamos nada do trabalho, foi realizada uma avaliação 360 graus no seu setor de trabalho. Manuel, claro, não pestanejou e classificou tudo como sempre costumava: buscando anular uma característica boa a uma característica ruim, a fim de retratar que todos eram neutros.

Uma semana após este fato, foi chamado pela chefia de Recursos Humanos. Só havia ido lá por dois motivos: ser contratado e assinar suas férias. Temia, com isto, que sua avaliação foi tão mal realizada que sua demissão seria o caminho. Respirou fundo e, sentindo-se mais uma vez um agente da passiva, como se sentiu em relação a toda a sua vida, caminhou até a recepção dos Recursos Humanos. Esperou, pacientemente, pois a secretária havia informado que a diretoria ainda deveria chegar.

Quando a diretoria chegou, ele a viu somente representada na figura mais bela da mais bela das mulheres que ele já havia visto em toda a sua vida (sim, com mais figuras de repetição e sentimentos superlativos que este pobre narrador poderia ter). Sua tez era branca, harmonizada com a cor de cacau que fluía de suas madeixas. Seus olhos eram negros como a noite e enigmáticos como o oceano iluminado pela lua. Suas curvas somente poderiam ser descritas como de uma bela região montanhosa e perfeita. Tudo isto estava envolto em um belho vestido lilás, com um sapato marrom e uma bolsa da mesma cor.

Sentiu-se menor ainda por ter uma mulher como aquela perto dele. Ela entrou em sua sala. Esperou alguns minutos e o chamou através da secretaria. Manuel tremia feito uma vara verde, mas decidiu respirar fundo e tentar se tornar um sujeito de sua própria vida. Mas, desta vez, ele desejava que pudesse ser um sujeito ativo, cheio de predicativos.

Ao sentar-se, a diretora (chamava-se Antônia) perguntou para ele o motivo de ter feito uma avaliação tão meticulosamente equilibrada. Sentiu um nó na garganta e tentou abrir os lábios. Não conseguiu. Respirou fundo e lembrou-se de sua aula de português. Lembrava que o presente era o lugar do sujeito e deveria usar isto para basear suas escolhas. O passado iria ocorrer assim que ele falasse e, do futuro, nada podia esperar, somente um futuro daquele mesmo presente que ele estava construindo naquele momento.

Com isto, discursou de maneira magnífica sobre como poderia ser bom analisar as coisas de maneira tão analíticas. Admitiu, contudo, pequenos erros e os atribuiu ao stress que gerava fazer avaliações. Revelou, ainda, que estava desejoso por poder contribuir mais para a empresa e que também desejava algo maior para sua vida do que passar dez anos no mesmo setor.

Antônia espantou-se, nunca alguém havia sido tão sincero e tão aberto. Admirou-o por isto. Começaram a conversar sobre amenidades também, uma longa conversa. Um saborosa conversa sobre preferências musicais, gostos por vinhos, literatura e por uma infinidade de assuntos. Riram-se e divertiram-se muito deles mesmos. Até que entraram em um assunto delicado.

Sim, caros leitores, a vida amorosa. Conversaram muito. Ela admitiu que sempre se sentia uma agente da passiva, deixando-se levar por homens que nunca a mereceram. Ele, por sua vez, admitiu que sentia-se também agente da passiva, com algumas vezes tendo se sentido um mero verbo de ligação para o sujeito principal da oração amorosa: a outra mulher que, de vez em quando, ficavam com ele.

Os dois, após um pausa de identificação e timidez típica de duas pessoas que se identificaram, resolveram continuar a conversa no almoço. E depois, em um outro almoço. Começaram a se encontrar tanto e de tantas maneiras que sua história de amor começou a ser escrita pelos dois, mas de uma maneira tão bonita e tão sincera que tornavam-se cada vez mais desejosos um do outro.Cada um, ao seu tempo, tinha virado o sujeito principal e ativo de suas vidas, porém, decidiram compartilhar todos os seus verbos de modo recíproco e não mais receptivo. Amaram-se e casaram-se. E, quando se travava de objetos diretos, poderíamos dizer que “eles tiveram quatro filhos”.

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