domingo, 3 de outubro de 2010

Das pequenas paródias pessoais

Clemente era um excelente exemplo de ser humano. Um exímio psicólogo, capaz de ajudar os pacientes solucionar os seus problemas mais profundos. Suas observações sobre o cotidiano e acerca dos seus comportamentos era exímia como o olho do falcão. Tinha demorado alguns anos para desenvolver este bom senso, mas o esmero na sua realização trouxe, em seu bojo, uma elevada ascensão profissional tão desejada pela sua história de vida tão sôfrega.

A sua necessidade laborial advinha da necessidade da sua figura paterna ter perdido sua capacidade laborial mediante um acidente, o qual ainda não havia sido julgado pela justiça do trabalho - culpava-a por isto, embora nada tivesse a ver com o fato desta mesma empresa ser de um filho de um grande Senador da República. Com isto, teve que sustentar ele, sua irmã, mãe e pai. Nada nunca havia sido muito fácil para ele. Por isto, decidiu-se colocar de lado mediante a necessidade do próximo.

Vivia seus dias assim, trabalhando várias horas em seu consultório, tendo pouco tempo para o lazer. Nem as constantes reclamações de sua mãe para que moderasse o seu tempo de trabalho eram levadas em voga: ele apenas sorria e dizia que precisava disto, não somente por ele, mas também pela família dele. E que ele faria qualquer coisa pelo bem-estar daquela família. Com o passar dos anos, ao atingir trinta e cinco, ele começou a trazer sintomas da infância à tona.

Pesadelos constantes, atopicidade e asmas tornaram-se frequentes. Sua esposa, cada vez mais fria e distante, apenas o acusava de nunca poder dar para ela o que ela desejava. E sempre acusava-o de se importar mais com a família dele do que com ela, jogando sempre a culpa por isto em seus pais. Logo eles, que a tinham adotado como uma filha. Neste momento, sentiu uma dor aguda no peito. Seu braço esquerdo apresentou uma relativa paralisia e não havia mais sinais de hematose pulmonar. Algo negro o envolveu e caiu.

Foi ressucitado por uma enfermeira, de nome Bellatriz. Ela fez todos os procedimentos devidos, apenas havia sido uma PCR temporária. Ajudou-o a levanta e o levou para um canto, para que pudesse verificar melhor seus procedimentos orgânicos. Ao beber um suco, Clemente começou a desabafar. Falou compulsivamente sobre tudo o que estava acontecendo, aos olhos atentos daquela bela enfermeira. Ela o observava atentamente.

Ao final de sua catarse, entre lágrimas, quase, ela afagou a sua mão. Havia meses que não se sentia tocado assim por ninguém, ainda mais por uma mulher bonita e cheia de compaixão. Deixou seus devaneios de lado e apenas agradeceu. Ele resolveu ir embora, antes que pudesse afundar um casamento já comprometido por amargura e solidão. Ele não se daria nenhuma oportunidade de fazer nada, mesmo que fosse uma oportunidade de ser feliz.

Duas semanas depois, ele estava em seu consultório pensando em tudo. Estava revoltado, pois sua secretária havia faltado e seu paciente também desmarcara a consulta. Resolveu, então, descer para ler o jornal e procurar tomar o seu desejejum, já que seu estômago vivia constamente embrulhado por causa da sua esposa. Ao chegar a padaria, pediu algo gostoso e que lembrava sua infância: pão na chapa - a gordura da chapa não lavada o fazia ainda melhor - e um café com leite. Ao sentar-se na mesa, deliciava-se com sua refeição.

Uma mão tocou-lhe o ombro e perguntou como ele estava. Ao virar-se, de súbito encarou Bellatriz. Surpreso, beijou a sua face, sentindo a suavidade de pêssego que era a sua pele. Convidou-a para sentar e conversaram horas. Daquele encontro, surgiram vários outros. Beijos, inclusive. Amor. Demorou apenas alguns meses para que pudesse seguir a sua vida e optar por alguém que o fazia feliz. Foram meses de sofrimentos e angústias, de sentimentos extremados. Voltou ele próprio a fazer terapia depois de anos de abandono e conseguiu realizar o seu sonho: ser feliz ao lado de uma esposa que o amava, com três filhos e um casal de cachorros. Aprendeu com o amor dela, acima de tudo, a ter clemência por si mesmo.

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