sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Do processo decisório

Berenice tinha tomado a decisão mais importante da sua vida até o momento. Era um ano de mudanças, pensara ela. E ela riu na cara da cigana quando ela lhe disse que um viajante mudaria o seu destino e que seu trabalho sofreria uma expansão enorme. Ledo engano. A primeira flecha, a do amor, começou a tomar o seu coração protegido pelos anos de sofrimento de um modo tão leve e tão despudorado que ela mesma se surpreendia até com suas atitudes.

Lembrou-se de que via filmes românticos para projetar seus desejos e realizá-los, mesmo que fosse por conta da atriz que, enfim, encontrara um amor de verdade na sua vida de mentira. Agora, ela tinha uma pequena mentira para ter um amor de verdade. Ia-se vivendo aquilo até o momento de saber exatamente o que fazer com aquilo. Ela enganava-se, já sabia exatamente o que fazer. E não que tivesse medo de tomar coragem: apenas agia como uma típica capricorniana (deixava o copo d´água encher até a borda para transbordar). Sempre fora assim na sua vida, necessitava de alguma certeza para poder dar o passo naquela direção.

Além disto, sentia-se imensamente feliz com o seu rumo profissional. O seu pequeno amor sempre lhe falara que coisas boas iriam sempre acontecer com ela enquanto estivessem juntos. Não como uma carência afetiva dele, como ela inicialmente pensou. Apenas porque a vibração dos dois era tão boa e diferente que fazia com que ela própria quisesse mudar o seu modus operandi de vida em relação a várias coisas. E já estava mudando. Tratamento para corpo, academia e a tão sacrificiosa dieta. Além disto, iria começar a frequentar terapia na próxima semana.

Ela sorria para si mesma. Sentia-se uma adolescente quando lhe contava algo, com olhos sempre atentos, tentando encontrar o apoio simples de um namorado. Encontrava mais do que isto - a verdadeira felicidade do afeto de um companheiro para a vida toda. Engoliu a seco ao pensar isto. Respirou com calma. Está certo de que o sexo, o papo, o cheiro, o carinho, a gentileza, a delicadeza, a beleza... Riu-se de si mesma. Tudo lembrava ele. Ela não mais podia negar que o amava.

Não se permitia falar de futuro com ele - mentira, eles sempre falavam de forma velada ou explícita, apenas pegando mais leve agora para poder construir uma sólida base para o futuro. A notícia de sua promoção veio em uma excelente hora. Seria um novo desafio na vida de uma guerreira de verdade, mas nada que não pudesse ser direcionado para melhorar ainda mais a sua qualidade de vida. Riu de novo de si mesma. Apesar de estar viajando, não o conseguia tirar de seus pensamentos. Mordiscou os lábios e fechou os olhos, lembrando do toque dele em sua pele e de suas línguas se entrelaçando. Seu coração até acelerou e sua barriga se retesou.

Lavou o rosto no banheiro. Precisava se concentrar em outras coisas, precisava trabalhar. Havia feito aquela viagem com o exato desejo de decidir sobre tudo. O profissional sempre fora o mais fácil em sua vida. Já o pessoal... Culpava-se por desastres causados pelo meio do caminho enquanto outros não a compreendiam, não a esperavam se abrir e nem sabiam como lidar com suas crises pessoais como Altaíson. Ao chegar a esta conclusão, olhou-se novamente no espelho e enxagou seu rosto. Ainda se espantava o quanto ele se tornara importante em sua vida. Olhou-se longamente no espelho, olhando seus traços ítalo-brasileiros. Achava-se charmosa, mesmo passando por todo aquele vendaval.

Resolveu, então, respirar fundo de novo. Toda aquela pressão não a ajudaria tomar as decisões necessárias. Ao abrir a sua mala para procurar sua maquiagem, encontrou um papel pardo. Estava somente escrito abra. Estranhou e o fez. Retirou uma carta, na qual havia: "Amo você. Muito. Sinto a sua falta, simplesmente porque está longe de mim ou quando estamos separados pelo trabalho ou quando está viajando ou quando... Sempre sinto a sua falta. Você me é muito cara e especial. Dentro, do envelope, há uma pequena besteirinha."

Ela procurou. Era uma foto dele que ela própria havia tirado recentemente. Lembrou que em quase um ano de relacionamento, nunca tinha tirado nenhuma foto dele e impresso. Ele o fez. Reparou que embaixo da foto, na margem direita, havia uma seta vermelha. Atrás, outra mensagem: "Sei que detesta dormir solitária e nem sempre poderei estar contigo, ao menos por enquanto. Quero que saibas que sempre serei sua companhia, mesmo que seja apenas no nosso sentimento."

Ela balançou a cabeça, ruborizando a sua face. Será que merecia ser feliz? Acharia-se tola por fazer esta pergunta a si mesma anos atrás, mas agora... Agora, ele era especial de verdade, como uma fruta que temos que acondicionar de maneira adequada, após retirada do pé, para poder ser degustada pela vida inteira. Quantos pensamentos e sentimentos invadiram-lhe. De todos eles, de tudo o que sabia, sabia que era um amor verdadeiro. Isto seria o seu norteador até o seu novo porto seguro. Sorriu, agora, daquela situação em que se sentia uma adolescente. Boba e tola, pensou. Desejou que ele estivesse ali, só para poder dizer o quanto estava bonita e o quanto tudo iria dar certo. Mandou-lhe um sms. Acabou de se arrumar e foi de encontro a mais uma decisão.

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