sexta-feira, 5 de novembro de 2010

De cisão

Samantha sentia-se pequena em seu pomposo gabinete de Procuradora da República. O chão havia se aberto e a sugado para dentro. Era como se vivesse em uma dimensão paralela. O casamento não ia nada bem há mais tempo do que possa lembrar e, agora, ela tinha perdido alguém que lhe tinha sido muito especial. Ele deixou um carta, em seu gabinete. A primeira coisa que ela fez foi lê-la e tomar um susto. Um nó veio-lhe a garganta e lágrimas rolavam pela sua face enquanto percorria com seus olhos a letra dele.

"Sam,

Sei que está chocada por eu ter pedido para sair do estágio do seu gabinete. Na verdade, não mais estou estagiando no Ministério Público. Estou somente em casa, estudando. Quero dizer muitas coisas para você, mas nem todas poderão ser por este e-mail. Afinal, esta aqui é a minha cartada final (perdoe-me o senso de humor ruim) para que possamos dar um caminho, para ambas as nossas vidas. Em primeiro lugar, quero contar que afeiçoei-me demais por você.

Em uma proporção que nem ouso aferir. Você também compartilha deste sentimento, eu sei. As nossas conversas foram nos tornando mais próximos, fomos estabelecendo laços de amizade e confiança. Começou a me contar a sua vida, coisa que não tinha feito com pessoa nenhuma. Sei que se culpa por termos chegado a este amor todo um pelo outro. Pronto, eu disse. Eu amo você. Mesmo que seja a distância, amo o seu jeito, o seu cheiro, o seu cabelo, os seus olhos, as suas risadas em espirais ascendentes deliciosas quando o meu humor acerta em cheio...

Sei que se culpa por causa disso por ser uma mulher casada. Esta maldita moral católica que impinge tanta dor às mulheres, fazendo-as acreditar que o casamento é somente um e se você é infeliz, fique com ele. Não é bem assim. Sei que não pensa desse jeito. Sofrer por amor é uma coisa bonita, mas quando o seu amor, o seu objeto de amor vai embora, o que fazer? Foi isto o que eu fiz, Sam. Eu fui embora porque era torturante ficar no seu gabinete e ouvir todas as crueldades que você permitiu que ele fizesse com você. Não sei qual poder ele tem em exercício sobre você, mas acho melhor descobrir.

Este homem deixou você doente. Com suas ignorâncias, seus gritos e sua indiferença. Nem menciono a parte do enlace afetivo, porque como você mesma disse, isto já acabou faz tempo. Então, qualquer pessoa sem um senso do que é o amor perguntaria: por que ela não larga ele, se pode viver com você? Eu sei que a resposta não é simples. Nem sei ao menos se esta vai ser a sua resposta. De tudo o que nós vivemos, eu sei de uma coisa.

Eu sei que você me ama. Sei que pode não querer lutar pelo nosso amor, sei que pode não querer ficar comigo. Pode ser pela sociedade, pelo seu marido, pela comodidade dele conhecer todos os seus amigos... Qualquer coisa. Quero que entenda que o que estou fazendo aqui, agora, é por amar muito você. Quero que tenha o seu tempo para decidir sobre o que você quer para si mesma. Quero que seja uma escolha pautada na felicidade e não no medo.

Decidindo por mim ou por ele, por medo de ficar sozinha, não adianta. Decidindo por ele, por medo do novo, não adianta. Não adianta decidir, igualmente, por mim, por... por... Não sei. Não sei porque não decidiria por mim. Paro e penso, escrevendo estas linhas e, por incrível que pareça, não consigo entender. Deixo isto para você decidir. Ainda estou esperando a sua ligação para conversarmos. Não vou tocar a minha vida para frente até o final do ano. Espero por você. Mesmo que seja para não ficar com você. O amor que lhe tenho é tão grande que estaria sendo infiel comigo mesmo se o violasse com outra pessoa. Ao menos, enquanto decide.

Com amor,
Do seu,
Robeilson"

Chorando muito, ela ainda não sabia o que queria. Ligava para ele, por vezes, só para que ouvisse a voz daquele homem que havia lhe tratado com tanto carinho e dignidade. Ela só tinha certeza de uma coisa: não sabia lidar com a perda - de espécie alguma. Tanto em qualquer processo, quanto na vida pessoal. Não gostava disto e agora, a vida, tinha lhe dado uma situação que iria perder dos dois jeitos: ou ela perderia o presente com o marido, que não lhe nutre mais ou ela perderia o futuro com Robeilson - podendo ser feliz de novo.

A rotina com seu casamento enfadonho, a rotina do trabalho... Tudo a esmagava de uma maneira insuportável. Seu único e verdadeiro porto seguro a havia impedido de nele aportar. Aquilo mexera demais com ela, mais do que poderia imaginar. Apaixonar-se por seu estagiário, amar-lhe em segredo todo aquele tempo e esta declaração bombástica de que era correspondida com esta prova factual, fez com que tudo caísse por terra.

Ela teria que lida agora com o não querer perder e a falta que ele lhe fazia. Esperava que com os dias, pudesse o coração dela ficar mais tranquilo e fingir que nada daquilo tinha acontecido, que era mera fantasia de sua cabeça. Mas a prova cabal estava com ela: a carta. Ela a lia todos os dias, já fazia oito dias - por vezes, várias vezes por dia. Ao contrário do que achava, não diminuira o seu sentimento por ele; apenas fora como represar um rio incontrolável.Ela não conseguia prestar atenção ao trabalho, vivia chorando pelos cantos e não procurara se abrir com ninguém. Tinha medo de ser pré-julgada. Mas agora... Agora era hora dela decidir. E sabia disto. Iria tranquilizar sua alma dorida e verificar o que deveria ser feito.

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