segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Um dia...

A vida não é uma receita de bolo. Genésio saboreava esta sensação meio amarga, enquanto sorvia um copo de vinho, sentado à poltrona da sala de sua casa. Descalço, passeava com os pés pelo tapete, sentido a aspereza entre seus dedos. Olhou para o chão, branco e frio de seu apartamento e o ambiente ao redor. Havia conseguido sua casa própria e seus móveis. Tinha em si a sensação de uma satisfação social cumprida e sua segurança contra as intempéries asseguradas.

Há algum tempo, fez uma escolha por si. Com esforço e trabalho, conseguiu descobrir um método para passar nas provas. Além de concursado, começou a escrever livros para poder auxiliar os estudantes que almejavam o mesmo objetivo que ele já havia alcançado. Surpreendeu-se quando um amigo que possuía uma pequena editora o procurara para ler tal material. Começou com uma pequena tiragem e logo começara a dar palestras pelo país.

"O que é mais preciso em um concurso é paciência e dedicação." - dizia ele - "Devemos sempre ter na mente o objetivo que desejamos alcançar. Nada é impossível para aquele que se esforça. Pode não ser neste, mas no próximo com certeza será." Com isto, sua conta bancária subia a passos largos, enquanto erigia o seu patrimônio pessoal com orgulho. Havia deixado de lado o sonho de ser baterista, mas tudo o que conseguiu conquistar foi devido a esta obstinação.

Sua mente remeteu-o a um hotel na Bahia, onde tinha acabado de dar uma palestra. Uma das perguntas que lhe fizeram fora feita por uma jovem de pele alva, olhos esmeraldinos e madeixas loiras. A indagação girava em torno do que ele sentia ao trabalhar com algo de que não gostava. "A experiência nos mostra que só podemos ter um conceito formado, normalmente, após a praxis. Há, ainda, fatores de previsibilidade. Tudo varia de acordo com o seu senso de moral e o seu comportamento. No serviço público, a certeza de que está se dedicando para algo melhor para a sociedade deve ser o ponto de partida."

Vez por outra, a voz da jovem ecoava em sua cabeça, mas nada que pudesse perturbá-lo. Se fosse mais novo, corroeria-se por dentro com isto. Agora, mais velho e tendo alcançado sucesso, apenas uma marola da praia trazia este sonho de adolescência. Ainda tinha uma banda de amigos. Na verdade, era este o seu laço com este passado - um passatempo com amigos que também compartilhavam deste mesmo sentimento. Sorriu. Colocou o copo de vinho em cima da estante da sala. Espreguiçou-se na poltrona.

Ao bocejar, ouviu um rodar de chaves à porta. Barulho no corredor. Vozes de crianças. Sua mulher tinha acabado de voltar do shopping com as crianças. Agachou-se no chão para recebê-las, enquanto suas duas filhas faziam algazarra e correram em direção a ele, derrubando-o ao chão. Brincavam de cócegas. Ao conseguir desvencilhar-se dela, olhou sua mulher de pele branca, com seus olhos eternamente negros, admirando aquela cena. Em uma mera troca de janelas de alma, sabiam que tudo aquilo que tinham era precioso.

Após finalmente aquietarem as pequenas feras, tiveram um tempo para eles. Conversaram sobre o dia, enquanto ele a servia de vinho. Brigaram há cerca de dois dias, por um motivo que ele se sentia culpado. Ao passo que ela sabia o que ele havia passado para estar ali com ela. Os dois amavam-se, isto era verdade. Não era um hábito ou um gostar de meros companheiros de república. Os anos tornaram uma tórrida paixão em um amor sólido, com picos expressivos de paixão.

Entre um pedido de desculpa e um beijo, ele pediu um momento para ela. Deu-lhe um envelope. Trêmula e sem entender se era um pedido de divórcio, abriu-o. Era uma escritura da casa que ele havia comprado para que ela pudesse realizar o sonho de montar um abrigo de animais. Ele a entendia mais do que ela própria, em sua nuvem de pensamentos. Ela o abaçou tenramente, não por ter sido "comprada". Apenas por ter sido compreendida e saber que havia optado por ele no momento certo de sua vida. Amaram-se, no sofá, mesmo com as crianças em casa.

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