sexta-feira, 5 de novembro de 2010

De cisão

Samantha sentia-se pequena em seu pomposo gabinete de Procuradora da República. O chão havia se aberto e a sugado para dentro. Era como se vivesse em uma dimensão paralela. O casamento não ia nada bem há mais tempo do que possa lembrar e, agora, ela tinha perdido alguém que lhe tinha sido muito especial. Ele deixou um carta, em seu gabinete. A primeira coisa que ela fez foi lê-la e tomar um susto. Um nó veio-lhe a garganta e lágrimas rolavam pela sua face enquanto percorria com seus olhos a letra dele.

"Sam,

Sei que está chocada por eu ter pedido para sair do estágio do seu gabinete. Na verdade, não mais estou estagiando no Ministério Público. Estou somente em casa, estudando. Quero dizer muitas coisas para você, mas nem todas poderão ser por este e-mail. Afinal, esta aqui é a minha cartada final (perdoe-me o senso de humor ruim) para que possamos dar um caminho, para ambas as nossas vidas. Em primeiro lugar, quero contar que afeiçoei-me demais por você.

Em uma proporção que nem ouso aferir. Você também compartilha deste sentimento, eu sei. As nossas conversas foram nos tornando mais próximos, fomos estabelecendo laços de amizade e confiança. Começou a me contar a sua vida, coisa que não tinha feito com pessoa nenhuma. Sei que se culpa por termos chegado a este amor todo um pelo outro. Pronto, eu disse. Eu amo você. Mesmo que seja a distância, amo o seu jeito, o seu cheiro, o seu cabelo, os seus olhos, as suas risadas em espirais ascendentes deliciosas quando o meu humor acerta em cheio...

Sei que se culpa por causa disso por ser uma mulher casada. Esta maldita moral católica que impinge tanta dor às mulheres, fazendo-as acreditar que o casamento é somente um e se você é infeliz, fique com ele. Não é bem assim. Sei que não pensa desse jeito. Sofrer por amor é uma coisa bonita, mas quando o seu amor, o seu objeto de amor vai embora, o que fazer? Foi isto o que eu fiz, Sam. Eu fui embora porque era torturante ficar no seu gabinete e ouvir todas as crueldades que você permitiu que ele fizesse com você. Não sei qual poder ele tem em exercício sobre você, mas acho melhor descobrir.

Este homem deixou você doente. Com suas ignorâncias, seus gritos e sua indiferença. Nem menciono a parte do enlace afetivo, porque como você mesma disse, isto já acabou faz tempo. Então, qualquer pessoa sem um senso do que é o amor perguntaria: por que ela não larga ele, se pode viver com você? Eu sei que a resposta não é simples. Nem sei ao menos se esta vai ser a sua resposta. De tudo o que nós vivemos, eu sei de uma coisa.

Eu sei que você me ama. Sei que pode não querer lutar pelo nosso amor, sei que pode não querer ficar comigo. Pode ser pela sociedade, pelo seu marido, pela comodidade dele conhecer todos os seus amigos... Qualquer coisa. Quero que entenda que o que estou fazendo aqui, agora, é por amar muito você. Quero que tenha o seu tempo para decidir sobre o que você quer para si mesma. Quero que seja uma escolha pautada na felicidade e não no medo.

Decidindo por mim ou por ele, por medo de ficar sozinha, não adianta. Decidindo por ele, por medo do novo, não adianta. Não adianta decidir, igualmente, por mim, por... por... Não sei. Não sei porque não decidiria por mim. Paro e penso, escrevendo estas linhas e, por incrível que pareça, não consigo entender. Deixo isto para você decidir. Ainda estou esperando a sua ligação para conversarmos. Não vou tocar a minha vida para frente até o final do ano. Espero por você. Mesmo que seja para não ficar com você. O amor que lhe tenho é tão grande que estaria sendo infiel comigo mesmo se o violasse com outra pessoa. Ao menos, enquanto decide.

Com amor,
Do seu,
Robeilson"

Chorando muito, ela ainda não sabia o que queria. Ligava para ele, por vezes, só para que ouvisse a voz daquele homem que havia lhe tratado com tanto carinho e dignidade. Ela só tinha certeza de uma coisa: não sabia lidar com a perda - de espécie alguma. Tanto em qualquer processo, quanto na vida pessoal. Não gostava disto e agora, a vida, tinha lhe dado uma situação que iria perder dos dois jeitos: ou ela perderia o presente com o marido, que não lhe nutre mais ou ela perderia o futuro com Robeilson - podendo ser feliz de novo.

A rotina com seu casamento enfadonho, a rotina do trabalho... Tudo a esmagava de uma maneira insuportável. Seu único e verdadeiro porto seguro a havia impedido de nele aportar. Aquilo mexera demais com ela, mais do que poderia imaginar. Apaixonar-se por seu estagiário, amar-lhe em segredo todo aquele tempo e esta declaração bombástica de que era correspondida com esta prova factual, fez com que tudo caísse por terra.

Ela teria que lida agora com o não querer perder e a falta que ele lhe fazia. Esperava que com os dias, pudesse o coração dela ficar mais tranquilo e fingir que nada daquilo tinha acontecido, que era mera fantasia de sua cabeça. Mas a prova cabal estava com ela: a carta. Ela a lia todos os dias, já fazia oito dias - por vezes, várias vezes por dia. Ao contrário do que achava, não diminuira o seu sentimento por ele; apenas fora como represar um rio incontrolável.Ela não conseguia prestar atenção ao trabalho, vivia chorando pelos cantos e não procurara se abrir com ninguém. Tinha medo de ser pré-julgada. Mas agora... Agora era hora dela decidir. E sabia disto. Iria tranquilizar sua alma dorida e verificar o que deveria ser feito.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Do inominável

Vazio. Esta era a sensação que vinha à cabeça de Sophia. Era assim que ela se sentia, neste exato momento, deitada, encolhida, no sofá de sua sala. A forma como ela estava era quase fetal. Seus olhos, inchados de chorar, traduziam tudo o que estava lhe acontecendo. Algo que estava ali dentro, algo que iria acontecer em alguns meses... Não mais aconteceria. Acarinhava sua barriga pela falta que fazia o ser que estava sendo ali gerado.

Para aquele mal, só haveria o remédio do tempo. Nada pode curar a quebra daquela expectativa - ela estava tão feliz! Planejara aquela gravidez com tanto afinco que mesmo tendo ocorrido da maneira como foi, desejara que desse certo. Mas nem sempre o nosso desejo coincide com o desejo de Deus, pensou ela, naquele momento. Nem conseguia ter uma explicação - apenas sofria a falta do nascituro que não mais viria. Assoou o nariz, correndo mais lágrimas pela face. "Justo agora" - pensou ela - "que eu achei que já havia perdido todas a minha energia, ainda resta-me alguma para debulhar-me em rios de águas salgadas."

Não se pode medir o sofrimento de um pai que perde um filho. Uma mãe, então, está fora de cogitação. Deve-se ter um companheiro para que possa apaziguá-la e encaminhá-la no seu luto de uma maneira suave, carinhosa e tranquila. Estes são os momentos que definem o que as pessoas querem ser uma para a outra. Dali em diante, Sophia teria apoio integral de Danniel. Ele seria o seu melhor amigo àquela hora. Era disso que ela precisava.

Sophia ligava várias vezes para ele. Danniel, então, começava a sua seara pela cova dos leões. Seria fácil abandoná-la agora, diante de tudo o que havia ocorrido antes do aborto; a perda do bebê tudo justificaria. Dentre todas as possibilidades, ele optou pela mais honrosa. Aliviou sua dor, direcionou sua angústia e fez com que ela minimizasse. Ele tinha esse poder quase mágico sobre ela: fazia com que tudo ficasse melhor para ela. Ele era o seu presente de Deus, dizia ela.

O caminho seria árduo. O rompimento recente havia prejudicado aquela relação; as palavras ditas por ela haviam sido amargas e ácidas. Saber do bebê e saber que o perdeu em tão pouco tempo, poderia afastar alguém que não mais tinha laços sociais estabelecidos. O que as pessoas nunca desconfiariam, nem eles próprios, era o tipo de conexão espiritual que compartilhavam – sabiam o que o outro sentiam, só por intuição - ou aquele típico aperto no peito, como foi o caso de Danniel naquela fatídica noite.

Os dois não sabiam o que resultaria aquele afago. Danniel não se preocupava com isto agora, embora Sophia cogitasse esta hipótese. Sabia que Danniel poderia já estar com outra – um misto de ciúme, amor e dor veio a sua mente, ao perceber que poderia perdê-lo para sempre – hipótese que ele preferiu cogitar só após a sua recuperação de alma. Ela estava doente d´alma e precisava de afeto. E tempo. Só isto importava desta feita.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Um dia...

A vida não é uma receita de bolo. Genésio saboreava esta sensação meio amarga, enquanto sorvia um copo de vinho, sentado à poltrona da sala de sua casa. Descalço, passeava com os pés pelo tapete, sentido a aspereza entre seus dedos. Olhou para o chão, branco e frio de seu apartamento e o ambiente ao redor. Havia conseguido sua casa própria e seus móveis. Tinha em si a sensação de uma satisfação social cumprida e sua segurança contra as intempéries asseguradas.

Há algum tempo, fez uma escolha por si. Com esforço e trabalho, conseguiu descobrir um método para passar nas provas. Além de concursado, começou a escrever livros para poder auxiliar os estudantes que almejavam o mesmo objetivo que ele já havia alcançado. Surpreendeu-se quando um amigo que possuía uma pequena editora o procurara para ler tal material. Começou com uma pequena tiragem e logo começara a dar palestras pelo país.

"O que é mais preciso em um concurso é paciência e dedicação." - dizia ele - "Devemos sempre ter na mente o objetivo que desejamos alcançar. Nada é impossível para aquele que se esforça. Pode não ser neste, mas no próximo com certeza será." Com isto, sua conta bancária subia a passos largos, enquanto erigia o seu patrimônio pessoal com orgulho. Havia deixado de lado o sonho de ser baterista, mas tudo o que conseguiu conquistar foi devido a esta obstinação.

Sua mente remeteu-o a um hotel na Bahia, onde tinha acabado de dar uma palestra. Uma das perguntas que lhe fizeram fora feita por uma jovem de pele alva, olhos esmeraldinos e madeixas loiras. A indagação girava em torno do que ele sentia ao trabalhar com algo de que não gostava. "A experiência nos mostra que só podemos ter um conceito formado, normalmente, após a praxis. Há, ainda, fatores de previsibilidade. Tudo varia de acordo com o seu senso de moral e o seu comportamento. No serviço público, a certeza de que está se dedicando para algo melhor para a sociedade deve ser o ponto de partida."

Vez por outra, a voz da jovem ecoava em sua cabeça, mas nada que pudesse perturbá-lo. Se fosse mais novo, corroeria-se por dentro com isto. Agora, mais velho e tendo alcançado sucesso, apenas uma marola da praia trazia este sonho de adolescência. Ainda tinha uma banda de amigos. Na verdade, era este o seu laço com este passado - um passatempo com amigos que também compartilhavam deste mesmo sentimento. Sorriu. Colocou o copo de vinho em cima da estante da sala. Espreguiçou-se na poltrona.

Ao bocejar, ouviu um rodar de chaves à porta. Barulho no corredor. Vozes de crianças. Sua mulher tinha acabado de voltar do shopping com as crianças. Agachou-se no chão para recebê-las, enquanto suas duas filhas faziam algazarra e correram em direção a ele, derrubando-o ao chão. Brincavam de cócegas. Ao conseguir desvencilhar-se dela, olhou sua mulher de pele branca, com seus olhos eternamente negros, admirando aquela cena. Em uma mera troca de janelas de alma, sabiam que tudo aquilo que tinham era precioso.

Após finalmente aquietarem as pequenas feras, tiveram um tempo para eles. Conversaram sobre o dia, enquanto ele a servia de vinho. Brigaram há cerca de dois dias, por um motivo que ele se sentia culpado. Ao passo que ela sabia o que ele havia passado para estar ali com ela. Os dois amavam-se, isto era verdade. Não era um hábito ou um gostar de meros companheiros de república. Os anos tornaram uma tórrida paixão em um amor sólido, com picos expressivos de paixão.

Entre um pedido de desculpa e um beijo, ele pediu um momento para ela. Deu-lhe um envelope. Trêmula e sem entender se era um pedido de divórcio, abriu-o. Era uma escritura da casa que ele havia comprado para que ela pudesse realizar o sonho de montar um abrigo de animais. Ele a entendia mais do que ela própria, em sua nuvem de pensamentos. Ela o abaçou tenramente, não por ter sido "comprada". Apenas por ter sido compreendida e saber que havia optado por ele no momento certo de sua vida. Amaram-se, no sofá, mesmo com as crianças em casa.

sábado, 30 de outubro de 2010

Da auto-ajuda...

Sinto como se fosse um soco no estômago, roubando-me o ar que outrora me nutria. A angústia toma o meu coração e tenho vontade de colocar o que nem tenho no estômago para fora. A garganta arranha, as pupilas dilatam e lágrimas de desesperança correm-me à face. Não sei nem onde estou, se me perguntarem. Parece que o chão saiu do lugar e alguém inverteu o céu de ponta cabeça. Nunca o meu inferno pessoal foi tão exultante e pavoroso.


Não há nada a fazer. Somente devo aceitar o que estou passando. Paro, sento e fecho os olhos. Antes de erigir a minha estrada para dentro de mim, preciso limpar as pedras. Faço, com calma, o coração parar de se atribular. Escuto um barulho de rio ao longe, o que me ajuda a serenar a minha respiração. Começo a sentir de novo meu corpo, como um todo. Tudo vai tomando seus lugares.

Momentos de relutância vêm, a angústia simplesmente não quer deixar o meu coração. Em um lance de impulsividade, quase a arranco de mim com força. Mas não é necessário. Convido-a para sentar juntar a mim. Ela estranha e, aos poucos, este sentimento de desespero vai desfazendo seus próprios nódulos de medo e vai indo embora, tendo agradecido pelo tempo que se abrigou em meu peito.

Com isto, resta apenas o que eu sou. Após este momento, vou caminhando com serenidade para o que parece ser a minha consciência interna. Isto me acalma, me indica uma rota. A rota da passividade, da espera e da construção. Aplainando o terreno para construir um belo castelo de paz e harmonia. Uma verdadeira fortaleza em face das intempéries do destino. Sorrio. O destino somos nós próprios que escolhemos.

Esta escolha é baseada em dois fatores: medo ou amor. Quando é por medo, tomamos o caminho mais fácil e pelo qual enveredaremos por infortúnios. Quando usamos o medo para ser nosso consulente em nossa jornada, apenas teremos a certeza de que abandonamos a felicidade para viver uma fantasia criada por nossa própria mente. Isto não é saudável e, com o tempo em que não nos escutamos, danificamos nosso corpo. Sintomas eclodem pelo fato de não procedermos pelo nosso caminho.

O caminho do amor é mais doloroso. Precisamos nos desapegar de coisas pequenas, de nós mesmos... Para que possamos dar a importância ao que devemos: a nós mesmos, como pessoas. Quando optamos por nós, optamos por sermos felizes. Isto significa escolher um caminho árduo, mas gratificante. Quanto maior o prêmio que almejamos, maior o sacro ofício que devemos perpetuar em busca do nosso destino.

Para fazer isto, devemos nos aliar a nós mesmos e respeitar os nossos temores. Aproveitar as pessoas que estão dispostas a dividir uma caminhada em direção a um destino em comum. Rirmos de nós mesmos e ajudarmos o próximo. Quando ajudamos alguém, estamos nos esforçando para compreender aquela pessoa pelo seu próprio universo e isto nos faz ver um dos grandes milagres da vida: não há verdades absolutas, nem regras inquebráveis; apenas a necessidade de sermos felizes.
 
Aceite este conselho como um presente, um presente de um amigo. Como todos os amigos, sempre estaremos presentes na vida do outro e poderemos plantar uma semente que gerará vida própria. Esta é uma capacidade una, a de sincronizar almas. Quando isto acontece e você conhece alguém assim, passe mais tempo com ela. Aprenda a conhecê-la e amá-la. Isto fará com que o seu caminho e o da pessoa seja mais florido. Não porque você plantou mais flores para si; mas, porque o fez para o outro.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Da distância...

A distância é uma marca de um ponto A para um ponto B. É um caminho que se percorre. Quando estamos distantes de quem amamos, isto nos incomoda profundamente. Incomoda por não sabermos como aquela pessoa está e nos refugiamos na insegurança de que ela pode precisar de algo e nós não estaremos lá para auxiliá-la. Isto pode ser verdade. Mas devemos lembrar, também, que este fator é influenciado pela distância do sentimento.


Não no sentido de ser distante, mas a dos pontos em profundidade de bem-querer. Quanto mais gostamos de alguém, mais profundo tornar-se o amar por aquela pessoa. E o que fazer, então, quando a distância é grande e o sentimento mais profundo? Doer, dói. Amar dói. Amar é você abrir a sua guarda, os seus medos e anseios e convidar aquela pessoa para bailar junto a sua alma, em uma valsa com a duração que os dois determinarem.

Sofrer, já é questão opcional. É claro que ninguém gosta de ficar longe de quem se ama por tempo demais. Aos apaixonados, dez minutos já é uma eternidade. Aos companheiros, pode ser que este tempo também seja, mas ele já é mais dilatado, pela certeza de que irá encontrar quem você realmente ama em sua residência. A angústia pela espera do seu objeto de desejo é amenizada por esta certeza.

Podemos, conquanto, tirar uma lição valiosa disto. A distância física pode ser enorme, mas não é nada em comparação a quando dois corações estão conectados. Para isto, basta fechar os olhos e lembrar daquela pessoa maravilhosa que compartilha um sentimento de ternura profunda e tudo se torna mais leve: para você, por acalmar a sua alma e para a pessoa, por estar recebendo este sentimento profundo e sincero. Lembro sempre de cenas de filme e, acreditem, isto funciona na vida real.

Não deixem que problemas atravanquem isto. O direcionamento é sempre de apoio, sempre de querer integrar-se ao outro. A insegurança existe, o amor persiste. Devemos nos encaminhar para este ponto. Aos amantes, uma lição valiosa: a amizade é a base do relacionamento. O sexo importa, mas só é realmente bom mediante a intimidade de se desnudar a alma para outro. Em certos momentos da vida, devemos valorizar mais este companheirismo para que os mares possam estar revoltos, mas para que um seja o porto seguro do mais necessitado. Este é, na verdade, o sentimento mais profundo de um verdadeiro casal. Os outros são os condimentos necessários para que a vida a dois nunca caia em uma rotina.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Da persistência

Mizael era um jovem determinado a escrever um futuro melhor para si do que o destino tinha lhe previsto. Vindo de uma família humilde, sabia do valor que o esforço em seu cotidiano tinha para se alcançar um objetivo. Como somente tinha terminado o segundo grau e não poderia ter um rendimento bom com este diploma, resolveu planejar um futuro para si. Resolveu, então, continuar trabalhando em meio período enquanto ainda morava com os pais e estudar para um concurso público no qual o seu diploma pudesse lhe da uma ascensão financeira.

Passava os dias no trabalho, pensando no concurso e resolvendo questões mentalmente, enquanto empacotava os sacos de compra. Na quinta-feira, um cliente que era juiz, aparecia na loja. Ele sempre o ajudara e, com isto, tomara lições de direito com ele. Este senhor, Romualdo, sempre o incentivava a sonhar mais alto e ir, aos poucos, concretizando este sonho. Neste dia, porém, ele trouxe-lhe um presente: havia comprado a apostila com todas as matéria para Mizael. Este, exultante, agradecera a Romualdo; ele, porém, apenas estava retribuindo um favor, passando-o adiante.

Estudava todos os dias, sempre que chegava a sua casa. Conseguia manter os estudos e o trabalho - e ainda conseguia ver Sylvia nos finais-de-semana, de modo romântico. Sua namorada o apoiava como nunca nos estudos, estando ela também engajada em passar, estudando também com ele para o concurso. Após alguns meses de estudo e a realização da prova por parte de ambos, cabia somente a espera. Esta, de uma maneira corrosiva e ansiosa, tomava-lhes uma parte do tempo.

Os dois tiraram férias de quinze dias de seus empregos e resolveram apenas passear. Não que fosse algo típico da novela das oito, mas era um romance sincero. Caminhavam pela Floresta da Tijuca e, quando podiam, faziam amor na casa um do outro - sem a presença dos inúmeros irmãos. Ele, porém, ao voltar de férias, fora demitido. Entrou momentaneamente em parafuso - sua contribuição era pouca, mas necessária para aquele âmbito familiar. Começou a espalhar currículos, sem sucesso. Sylvia ainda tentou acalmá-lo; resultou em uma briga.

Após alguns dias sem se falarem, havia saído o resultado. Os dois haviam passado. Mizael, então, resolveu procurá-la para conversarem. Com uma certa resistência, ele conseguiu explicar a situação para ela e pediu desculpas. Ela, entre lágrimas, falara que não era somente culpa dele; ela também estava muito nervosa com tudo o que estava acontecendo na vida dela. Ele indagou-lhe o que ocorrera. Ela silenciou por poucos segundos, mas o tempo de uma eternidade para aquele jovem casal.

Ela pegou a mão direita do seu amado, com calma, e pousou sobre o seu ventre. Ele a havia fecundado. Sabia que ela andava estranha e, até o momento, não entendia o motivo. Não desejava que sua filha tivesse o presente sofrido de ambos. Ele, chorando, prometeu que isto não ocorreria com ela, que eles continuariam estudando para que pudessem alcançar um patamar social cada vez mais elevado - afinal, amor puro e sincero eles já tinham mais até do que o suficiente.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Das realizações

Por definição, usamos o termo "Ser Humano". Somos na medida em que nos encaminhamos para o que nos é humano. Peculiar, no entanto, é como construímos este caminho. Este era o dilema de Alucrécio. Estava dividido entre ficar estagnado e proceder em um outro caminho. Uma escolha não é fácil de ser tomada - há incertezas e inseguranças, afinal por pior que seja o seu estado existencial, ele o é conhecido, não necessita de navegar por novos mares.

Ele, por sua vez, resolveu arriscar. Pouco era de fazê-lo, e somente transcorria assim por poucos motivos. Havia achado um em particular e resolveu seguir em frente. Pegou um sonho e o plasmava da matéria da concretude. Passo-a-passo, tornava-se mais forte no caminho em que seguia. Não sem dificuldade, choro ou mágoa; apenas resolveu caminhar em direção a algo melhor para ele. Não sabia o que, exatamente, mas sabia que o que vivia não podia mais ser bom. Sentia-se preso a um passado estéril.

Chegou, então, o momento em que poria à prova tudo o que tinha realizado. Fez o que todo combatente honrado faria: apostou tudo de uma única vez, crendo que aquilo traria a sua tão sonhada recompensa. Depois, esperou. Era uma espera tranquila, na maioria das vezes. Por outras, a sua ansiedade subia-lhe a garganta e sufocava-lhe o peito de tal maneira que achava que iria sofrer um infarto no miocárdio. Conquanto, sobrevivera a tudo isto.

Lembrou de uma vez em que viu um filme, onde um mestre ensinava um discípulo sobre como deveria aprender a lidar com o medo. Não é que ele devesse não sentir medo; todos sentiam, até o seu mestre. Ele apenas deveria canalizá-los para algo positivo, algo que fosse construir um bom futuro. Quando o medo batesse à sua porta, ele deveria dizer para entrar e mostrar o seu lar. Assim, o medo ficaria encolhido com tamanha luz que ele emitira.

"Não é com o nosso lado sombrio que devemos nos preocupar..." - disse ele - " E sim com a nossa dificuldade em aceitarmos ser felizes pela luz. É algo muito difícil nestes dias turbulentos; as pessoas ocupam-se em não serem felizes, em ratearem em direção a algo positivo." Alucrécio se alegrou com isto. Por pior que fosse temporariamente seu caminho, ele estava indo em direção a algum lugar. Este lugar seria o de sua felicidade, onde poderia erigir os templos mais bonitos para si próprio.

Sorriu. Um gosto de vitória e esperança subiu-lhe as papilas gustativas, dançando com elas como dois amantes dançam à meia luz, nus, em um quarto de hotel. Fechou os olhos e pequenos momentos de infância passaram como flashes de filmes. Sentia-se bem melhor ao saber como estava sendo humano naquele momento, aceitando suas fraquezas e ultrapassando-as, pouco a pouco. Dali em diante, os dias não seriam melhores, nem piores; apenas mais prósperos.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

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terça-feira, 19 de outubro de 2010

Do método objetivo

Genivaldo era um daqueles típicos heróis românticos do século XVIII. Tudo era por demais intenso em sua vida: transitava do amor mais nobre para a raiva mais profunda, sempre pelo mesmo objeto de desejo. Ao ser afastado do mesmo, até quando ele o queria, sofria por demais. Era desesperado, ligava todo o tempo, mandava flores... Por vezes, elas eventualmente voltavam. Apenas para, logo em seguida, darem o adeus eterno.

Foi no último término o que ele mais se exasperou. Era uma mulher do jeito que queria: inteligente, culta, independente financeiramente, divertida, bonita, boa de beijo e melhor ainda de cama. Eram horas de sexo selvagem e despudorado. Após isto, sempre riam muito e brincavam. Ela se abriu para ele, como ela dizia, de uma maneira que nunca havia feito para homem nenhum. Ele era importante para ela até no momento de decidir o cartão de crédito ou o carro que devesse comprar.

E, então, ela foi embora. Ele não conseguia suportar este fato, fez tudo: email, flores, ligações... E nada adiantou. Ele, então, sentiu-se um pombo - apenas se alimentando das migalhas emocionais por ela disparadas. Cleidiane ainda o atendia, ainda falava com ele, sempre deixando uma fresta da porta aberta para que ele adentrasse. Perguntava sobre seus pais, sobre coisas do cotidiano dele... Após isto, dava-lhe uma estocada por algo que ele tivesse feito que a magoara e desligava.

Nosso herói, então, resolveu parar e respirar. Genivaldo pensou que o amor é bom, quando é bom para os dois; assim como a vida só gosta de quem gosta dela. Algo mágico aconteceu neste momento - ele valorizou a si mesmo. Era um homem sincero, honesto, fiel, simpático, inteligente, culto e batalhador. Havia sido promovido e usaria isto para comprar o anel de noivado que já havia reservado em uma joalheria para lhe pedir em casamento.

Pensou, então, no mais razoável. Ele e ela era independentes financeiramente. Ela estava confusa por ter se separado há pouco de um marido a qual estava acomodada. Ela... "Espere! " - pensou ele "É a minha história que estou escrevendo e não a dela. Ela não mais quer fazer isto comigo. Cleidiane não me ama o suficiente para ficar comigo. Ela pode ter medo, tudo... Mas no final das contas, é ela quem não optou por mim. Não há nela o aquisciemento para sermos um casal."

Ia começar a chorar, quando a lógica surgiu-lhe: ainda bem que ela não estava mais com ele. Desejava alguém por inteiro. Era bom o que tiveram? Sim, era. Supreendeu-se por usar o verbo no passado. Embalou as coisas que ela lhe dera e guardou; copiou os emails para um disco e os apagou de sua caixa, bem como todos os seus telefones foram anotados e guardados lá. Tudo iria ser jogado fora no momento certo, enquanto ele ainda deixava escorrer as últimas gotas de amor que tinha por ela. Dali para frente, tudo seria diferente. Seria mais sábio ao escolher suas parceiras.

domingo, 17 de outubro de 2010

Classificado

Quem almeja o que nunca teve, precisa fazer o que nunca fez. Esta frase não parava de ecoar na mente de Adalberto. Ele era de uma família de classe média e sempre postergava o seu sonho profissional, alternando de escolha de galho em galho. Poderia ser resumido como a Escolha de Sofia, pelo tempo que demorou para optar por algo. E quem lhe fez optar por uma decisão fora, ironicamente, Sophia. Uma mulher mais madura, como adorava as que fossem suas.


Ela era uma competente arquiteta que tinha se graduado por mérito próprio, esforçando-se sempre para poder dar uma boa vida para a sua tia, que a havia criado no lugar de seus falecidos pais. Encontraram-se em uma festa de casamento e conversaram durante um longo período. Trocaram telefones e, depois, as comunicações necessitavam ser cada vez mais breves, mais pessoais... Até que se apaixonaram e entregaram-se a este amor.

A única opção de Adalberto para tê-la integralmente era um concurso público. Era inteligente, porém pouco esforçado. Ela havia se tornado este combustível. Foram meses de estudos diários, horas desgastantes... Choro, desespero. Ataques de raiva e ataques de esperança. Alegria por estar acertando cada vez mais as questões. Brigas eventuais com Sophia por conta deste stress.

Mas tudo tinha valido a pena: ele havia recebido a notícia tão esperada. Classificado. Sabia que, pela quantidade de vagas, estava dentro. Tudo, então, misturou-se em uma euforia e uma sinfonia de sentimentos tão complexos que fora do riso ao choro e voltara várias vezes, com mesclas de gritos quase que primordiais. Sophia, aquela mulher que havia feito com que ele buscasse o melhor para ele e para ela, poderia ser agraciada com um pedido de casamento.

Pedido este que nunca aconteceu, ao menos não com este resultado de segurança de um futuro estável. Ela o havia abandonado. Sentia-se um aluno – um ser sem luz – pois a sua Sophia – conhecimento – o havia abandonado. Ela, que era o seu mundo, tinha lhe puxado o tapete emocional. Agora, ele tinha a estabilidade e a possibilidade de lhe proporcionar um futuro; sem ela.

Sentou-se, após este conclusão, no chão de seu quarto. Fora parabenizado por seus familiares e, agora, pretendia ficar só. Fez o que um homem vencido poderia fazer: soube perder. Respirou fundo, pensou nela e em todos os momentos felizes que passaram, nas brigas, em tudo... E apenas agradeceu. O amor que havia tido com ela era bonito demais para que, agora, ele não pudesse dizer: muito obrigado por tudo. E rezou para que este amor levasse até ela a notícia.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Dos bons momentos...

Dizem que a vida inteira passa diante dos seus olhos quando você está para morrer. Não é só neste momento. Quando estamos perto de conquistar algo que sempre desejamos e a felicidade encontra-se logo ali ao lado. Talvez, neste momento, pensou Gilda, é onde podemos realmente nos encontrar com algo mais profundo. Neste momento quase sublime, ela, com quase trinta anos, poderia realmente ser descrita como uma mulher feliz.

Lembrou-se de tudo o que tinha lhe acontecido. Das dificuldades financeiras para se graduar na universidade e de como batalho para fazer sua pós-graduação para poder alcançar um lugar ainda melhor dentro da empresa em que estagiou. Veio à sua mente como o seu chefe tinha lhe sugerido que se fosse amante dele, poderia subir mais rápido. Fez o que poucas tiveram coragem: denunciou-o ao seu superior. Poderia ter sido demitida, poderia muita coisa ter acontecido... Mas ocorreu o que ela esperava: a justiça foi feita.

Pela sua coragem, foi até alçada a um cargo mais elevado. Ela batalhou muito. Teve, contudo, algumas decepções amorosas, como todos. Um noivado que havia acabado por seu noivo ter tido um romance secreto com a sua prima - a qual era irmã de criação - este foi o que mais lhe impingiu dor. Ajudara-a em toda a sua criação e na capacitação profissional e ali era dera o cavalo de tróia inesperado. Segurou a onda e continuou seguindo em frente.

Encontrou Pedro Henrique em uma cafeteria, em uma segunda-feira cinza, típica da que é seguida de um feriado emendado. Ela havia derramado café em seu terno. Ele sorriu e limpou, com a ajuda dela. Pediu, ao menos, que ela lhe pagasse um café. Ela encabulou-se com aquilo tudo e pagou. Conversaram durante alguns minutos sobre amenidades. Trocaram algumas figurinhas da infância, falando sobre programas de tevê e brincadeiras que tinham. Ela despediu-se, atrasada para o trabalho.

Passaram a se encontrar casualmente ali e começaram uma bela amizade. Dois meses depois, o toque eventual na mão, os olhares de ambas as partes, a ansiedade para que se encontrassem denunciava que era bem mais do que isto. Pedro Henrique tomou coragem e convidou-a para jantar. Ela, ainda ruborizada, aceitou. Daquela noite em diante, passaram a namorar. Comemoram cada promoção que ela tinha, assim como quando ele passou para ser analista do Ministério Público da União. Foi neste dia em que a pediu em casamento.

Ela, depois de tudo o que havia passado, tinha certeza de algo: do relacionamento sincero, onde não havia mentiras. Ela confessou tudo o que havia acontecido com ela em sua vida - até um caso homossexual - e Pedro a havia entendido. Ele confessou que fora amante de uma mulher casada e ela também o havia perdoado.  De todas as tempestades que passaram juntos, de todos os reveses que enfrentaram... Ele sempre estava ali, um somente pelo outro. Magoaram-se, eventualmente, com coisas sem sentido. Faziam as pazes. Com ele, ela tinha algo do qual se orgulhava: ele era o seu Porto Seguro.

E lá estava ela: indo, no seu último momento de gestante, indo dar a luz ao Lucas. Somente chegou a este momento pela estrutura emocional que seu marido lhe oferecia. Passou as mãos na barriga, uma última vez, com a certeza de que aquela criança que logo estaria ali, era o fruto de uma felicidade sem igual. Respirou, uma vez mais fundo, antes de tomar o remédio para poder fazer a cesariana. E dali, dali a pouquinho mesmo... Realizaria o seu sonho de ser mãe.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Fogo-de-Santelmo

Karla não tinha coragem para mandá-lo embora pessoalmente. Saberia que caso se encontrassem, não o conseguiria. Decidiu, então, usar da mesma maneira com que ele tanto a encantara: através de poesia. Não que ela fosse brilhante autora, apenas regozijava-se cada vez que era sua musa. Agora, a musa iria dizer para o poeta o que ele nunca gostaria de ler:

"Adeus
 Não lerei mais teus versos
 Nem teremos nossos corpos descobertos
 Isto, juro por Deus

 Rezo
 Para não te ver mais
 Nem chorar por ti demais
 Apenas isto peço

 Juro
 Quero recomeçar de novo
 Estar com outro povo
 Desejo outro amor puro

 Porém
 Sei que não terei tudo
 Nem o teu amante conteúdo
 Afinal, fui eu quem disse Amém

 Aborto
 Nosso futuro promissor
 Por algo sem sabor
 Tu que fostes meu porto

 Amo
 A ti constantemente
 Não sais de minha mente
 És, do meu coração, amo

 Soy loca
 De deseos por ti
 Por que dexaste tu partir?
 Por tan cosa poca"

E o poeta, entre lágrimas e soluços, buscou uma caneta e papel para lhe responder. Tentou responder com um poema, ao seu amor que estava partindo. Como poderia isto acontecer com algo tão sublime? Ela havia se tornado o seu mundo; e ele estaria disposto a colocar o mundo inteiro aos seus pés. E então, ele percebeu algo estarrecedor, algo que nem a conversa, o carinho, a amizade, os beijos, os toques, as carícias, o sexo ou os gozos tinham feito com ele. Ela havia-o tocado profundo demais, tão profundo, que levou embora suas palavras. Todas elas.

Gilmar, então, deixou cair a caneta sobre o papel. Olhou, para suas mãos incapazes de produzir qualquer coisa e colocou-as em sua face. Eclipsou-se o seu mundo. Voltou-se, então, para o seu mundo interno. Observou o vazio existencial e a angústia que ela havia deixado. Ela havia levado uma parte de seu coração com ele. Ele, ainda sem qualquer traço de originalidade, remeteu-se à Bíblia e, parafraseando-a, pensou:

"E Ela disse:
 -Faça-se o silêncio.
 E o silêncio fora feito."

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Da vida

Jocilane estava atenta ao celular. Observava-o algumas vezes por dia, mais do que o normal. Verificava o volume, se estava funcionando. Não o desligava com medo de perder a ligação: colocava-o sempre para carregar e verificava se estava na área de cobertura. Sua preocupação estendia-se ao serviço de bate-papo e ao seu e-mail. Passou a verificá-lo mais do que as habituais duas vezes por dia. Frequentava as páginas do escritor que lhe causava tamanha confusão.

Ela tinha pedido para que ele fosse embora. Só que ela não acreditava que ele fosse. E ele foi. Agora, se encontrava mais perdida do que estava antes: seu status quo não mais lhe agradava. O seu cotidiano passava a ser mais do que enfadonho; em certas horas, chegou a amaldiçoá-lo por tê-la conhecido, por ter mostrado para ela a felicidade de um verdadeiro casal - um amor completo, companheiro e sincero. A honestidade era a base do relacionamento deles.

Mais uma vez, seu comportamento impulsivo havia precidido qualquer análise racional. Arrependia-se gradativamente daquela atitude, ainda mais pelas amostras do seu contemplar. Sentia-se pequena, chorava copiosamente. O CD com as músicas que ele havia gravado tocava em seu rádio. Ela não conseguia tirar de lá. Lia, vez por outra, os cartões de amor enviados por ele. Seus olhos, inchados, desejavam ter uma pequena última visão dele.

Não, isto ela não queria. Sabia exatamente o que aconteceria se o visse: ela amoleceria, desejaria-o de maneira mais intensa e ardente do que antes. Ela se entregaria de corpo novamente para aquele homem. O que ela não conseguia era puxar a sua alma de volta. Estava enlaçada com a dele, de uma maneira tão bonita que até o mero sofrimento da distância não poderia fazê-la esquecer. Ao dormir, lembrava dele. Procurava-o para abraçar durante a noite. Acordava, vez por outra, com a sua mão direita, desejando que estivesse ali. Lágrimas minavam pela sua face e ela perdia o sono.

Ao acordar, lançava seu olhar pelo quarto, procurava qualquer coisa: uma mochila, uma peça de roupa, uma meia jogando no chão... Nem mais para discutir sobre a sua falta de organização ele estava mais lá. O que ela comia perdia o sabor, o dia parecia mais cinza... Tudo aquilo que ele lhe dava, havia partido: um imenso peso era o seu coração, ele que outrora saltitava a cada mensagem, a cada ligação. Sem falar nos encontros: o beijo, a paixão desenfreada, o coito...

Sentia-se presa a seu status e deseja estar com ele. Achava-se imprópria para tal, duvidava de sua própria capacidade para conseguir isso. Procurou, então, resignar-se com esta situação. A saudade era sua maior inimiga, mas com o tempo... Com o tempo ela não passaria. Ela a acompanharia por toda sua vida ao saber o que tinha perdido. Ao lacrimejar, olhou mais uma vez para o seu celular. Apertou-o com força, como se sua vida disso dependesse. E começou a discar os números, mesmo sem ter certeza do que deveria fazer... Apenas sabia que precisava dele. E de força, para tomar a atitude que deveria tomar.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Argemiro

Argemiro era o responsável por cuidar de estrelas do Setor 7BNNB - 0099; o nosso sintema solar. Seu trabalho era fazer com que elas brilhassem o mais nítido possível. Ria dos humanos cientistas, pois com todo o seu avanço, haviam deixado de reparar em como elas eram bonitas e o quanto deu esperanças para todos os homens, em outras eras. Mas esta aqui é uma Era Cinza, pensou, onde as esperanças se esvaem pelos dedos como areia no deserto e se perdem misturadas aos grãos da incerteza.

Em seus passeios, além de ornamentar as estrelas e dar-lhes luz, gostava de observar os seres da Terra, como um pequeno passatempo. Ficou particularmente encantado com uma cientista. O que o fascinou não era apenas o seu intelecto, mas o que tinha por dentro - uma doçura e compaixão com o ser humano - e os seus medos - achar que estava ficando velha e sua insegurança em relação a sua felicidade. Ela era como um motor industrial, desses que trabalham vários dias seguidos.

Observava que ela tentava ser feliz no seu cotidiano: procurava se relacionar com seus amigos no trabalho, procurava ter namoros e cuidar dos pais. Ah, e tinha cães. Matilde gostava da paz e da quietude que aqueles animais tinham por ela, sabendo que eles sempre poderiam ser fiéis a ela. Neste quesito, precisava demais da conta da segurança. Deixou alguns namoros para trás por vários motivos, mas o principal era o da segurança.

Ou como ela o camuflava. Argemiro percebeu a aproximação de Thobias, um rapaz que tinha tocado o seu coração. Ela permitiu que ele o fizesse, na verdade. O nosso observador até ficou exultante - ela agora poderia dar-se o prazer de ser feliz, de poder se entregar a um amor verdadeiro e com ele estabelecer laços. Laços que Argemiro tinha com Astelfa - mas que por causa do árduo trabalho, apenas se viam de éon em éon. Na verdade, a aproximação dos dois lembrava a sua amada. Matilde a lembrava dela.

Após terem se afetuado, se amado e formado uma egrégora entre eles, Matilde se assustou deveras com isto. Imaginava se podia ser feliz ao seu lado, o que deveria fazer... E se ele descobrisse algo de que não gostasse? E se ele pudesse magoá-la? Outros poderiam tê-la magoada, mas ele... Ele era especial demais para fazer isto com ela. Foi deste ponto em diante que tudo se degringolou. Ela pediu que ele saísse de sua vida.

Ele saiu. Sentido, machucado, magoado... Assim como ela também estava. Na verdade, ela estava até em um estado pior: ela não tinha tido a coragem de lutar pela felicidade de ambos, deixou que o medo a levasse pelo caminho escuro da negação. Argemiro aproximou-se da Terra, ficando sob aquele local. Nesta hora, permitiu-se ser humano de novo e escorreu uma única lágrima de sua essência; rezando por eles, fez-se uma chuva. Uma chuva meio esverdeada de esperança e meio cinza da dor do não-realizado. Matilde fez o mesmo, assim como Tobias.

Das metades

O nosso herói era um jovem adulto sonhador. Seus comportamentos sempre alegres e carismáticos atraíam várias pessoas; e pensar que, quando adolescente, era tímido e sofria de baixa estima. Tinha se tornado um adulto mais confiante e um pouco menos inseguro. Buscava ainda a tão esperada transição profissional, para que pudesse desabrochar para poder sair da casa de seus pais.

Godofredo conheceu Bethania em uma sala de bate-papo virtual. Ela, de vez em nunca entrava, resolveu naquele primeiro dia da primavera entrar. Ele, solteiro, estava ali apenas para curtir uma noite de um modo despretencioso. Entrosaram-se. Resolveram, após muita conversa e telefonemas, se encontrarem para jantar. Ela nunca havia saído com alguém totalmente desconhecido da internet e ansiava por uma coisa boa e nova na sua vida. Ele estava ainda curando-se de um antigo amor.

A conversa foi longa e boa. Os beijos, calorosos e apaixonantes. O sexo que seguiu foi indescritível. Ela saiu de lá querendo mais dele, assim como ele dela. Ela era sempre reticente com relação ao futuro dos dois, apenas vez por outra fazia um plano. Apesar de ter épocas em que ela completamente surtava e declarava o amor dos dois aos quatro ventos. Ele, um eterno romântico, apreciava e a acarinhava como ela nunca havia sido.

Bethania sabia que tinha algo bom e puro, especial demais para ser verdade. Mas era. O amor de filmes que ela havia, a paixão desmedida e a sinceridade que eles tinham um para com o outro apenas a tornava mais mulher, mais bem-aceita; contou-lhe todos os seus segredos. Assim como as pequenas coisas do dia-a-dia, as pesquenas inseguranças; tudo era tratado por ele com um amor inenarrável. Ela, por sua vez, fazia de tudo para locupletá-lo. Era sábia a decisão de ficar com ele.

Godofredo, por sua vez, percebia a iminência de se estabelecer. Embora fosse tudo o que ela precisava, ele necessitava de um emprego. Havia conseguido um; ficou exultante. Deixou uma pequena controvérsia passar para que pudesse falar com ela. Com isto, poderiam casar e ter os filhos que desejavam. Toda vez que falava com ela, deixava passar a oportunidade apenas para que ele pudesse contar no momento apropriado. Porém, o momento apropriado nunca chegou.

Ela impediu que isto acontecesse. Pediu para que ele fosse embora da vida dela. Aturdido, perdeu o chão. Queria falar com ela, conversar. Ela negou. Ele não sabia se por ser especial demais, ela o estava mandando embora. Como poderia, se fosse por isso? Como podemos mandar a nossa felicidade embora? Ele não sabia. Uma infinidade de perguntas rodeavam seu coração e nenhuma com resposta. A única resposta era: ela não mais o queria.

Ele, resignado, aceitou. Não tinha mais forças para lutar por alguém que o rejeitava. Doía perder alguém que fora especial, mas doía ainda mais o desejo dela para que ele saísse de sua vida. Ele imaginou todo o futuro planejado pelos dois, todos os quereres, tudo o que amavam um no outro descer ralo abaixo. Ela própria tinha tomado esta atitude.

Debulhou-se em lágrimas. Parecia um adolescente ao perder o seu primeiro amor. Não sabia se ela fazia o mesmo; com certeza não, pensou. Ela tomou a atitude de uma maneira fria e controlada, como se já o quisesse fazer há muito. Cogitou, então, que tudo o que prometeram um para o outro fosse apenas ilusão, um desejo transitório de um pedaço de esperança, o qual ela precisava para sub-existir naquele momento de sua vida. E, como já o tinha, poderia descartá-lo.

Dobrou seu corpo no chuveiro e tentou conter os soluços de sua dor. Sorriu. Não sabia porque, mas sorriu. Um pequeno, de canto de boca. Estava feliz por sua dor ter sido sincera, por ele ter se doado de uma maneira tão honesta e pura, de ter sido quem sempre foi: uma pessoa proba e especial. Fazia questão de ser assim. Era de coração aberto que tinha começado aquela relação e fora assim que terminara. Sorriu, de novo.

Afinal, sabia o quanto era especial. Não naquele momento de dor... Mas sabia que realmente era um ótimo partido para ser posto de lado. No futuro, ele saberia disto. E não mais se importaria se Bethania se arrependeria do fato. O pedido foi feito por ela. Ainda a amava, mas o que poderia fazer com tamanho sentimento que lhe tomava? Não poderia insistir, bater naquela porta fechada... Bethania a havia trancado com um cadeado, intransponível para todo e qualquer Godofredo que ousasse chegar perto. Havia até colocado cinco cães para guardar aquela prisão sentimental na qual estava.

A ele, apenas restara o fato de ser feliz com outra pessoa. Alguém que pudesse aceitar ser feliz com ele, de uma maneira integral, romântica e para toda vida. Alguém que quisesse ser a mãe de seus filhos, em um relacionamento onde ela não precisasse mentir, apenas ser ela mesma. E ser amada por ser quem ela é. Isto assusta, pois passa pelo princípio de auto-aceitação. Godofredo ria de suas cogitações, algumas pareciam absurdas. Como não podemos ousar ser felizes com alguém que nos ama pelo que somos e nos respeita? Resolveu, apenas, dizer para si mesmo: "Vida que segue...".

sábado, 9 de outubro de 2010

Tirinhas De Datas Comemorativas

Dia das Bruxas

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Do processo decisório

Berenice tinha tomado a decisão mais importante da sua vida até o momento. Era um ano de mudanças, pensara ela. E ela riu na cara da cigana quando ela lhe disse que um viajante mudaria o seu destino e que seu trabalho sofreria uma expansão enorme. Ledo engano. A primeira flecha, a do amor, começou a tomar o seu coração protegido pelos anos de sofrimento de um modo tão leve e tão despudorado que ela mesma se surpreendia até com suas atitudes.

Lembrou-se de que via filmes românticos para projetar seus desejos e realizá-los, mesmo que fosse por conta da atriz que, enfim, encontrara um amor de verdade na sua vida de mentira. Agora, ela tinha uma pequena mentira para ter um amor de verdade. Ia-se vivendo aquilo até o momento de saber exatamente o que fazer com aquilo. Ela enganava-se, já sabia exatamente o que fazer. E não que tivesse medo de tomar coragem: apenas agia como uma típica capricorniana (deixava o copo d´água encher até a borda para transbordar). Sempre fora assim na sua vida, necessitava de alguma certeza para poder dar o passo naquela direção.

Além disto, sentia-se imensamente feliz com o seu rumo profissional. O seu pequeno amor sempre lhe falara que coisas boas iriam sempre acontecer com ela enquanto estivessem juntos. Não como uma carência afetiva dele, como ela inicialmente pensou. Apenas porque a vibração dos dois era tão boa e diferente que fazia com que ela própria quisesse mudar o seu modus operandi de vida em relação a várias coisas. E já estava mudando. Tratamento para corpo, academia e a tão sacrificiosa dieta. Além disto, iria começar a frequentar terapia na próxima semana.

Ela sorria para si mesma. Sentia-se uma adolescente quando lhe contava algo, com olhos sempre atentos, tentando encontrar o apoio simples de um namorado. Encontrava mais do que isto - a verdadeira felicidade do afeto de um companheiro para a vida toda. Engoliu a seco ao pensar isto. Respirou com calma. Está certo de que o sexo, o papo, o cheiro, o carinho, a gentileza, a delicadeza, a beleza... Riu-se de si mesma. Tudo lembrava ele. Ela não mais podia negar que o amava.

Não se permitia falar de futuro com ele - mentira, eles sempre falavam de forma velada ou explícita, apenas pegando mais leve agora para poder construir uma sólida base para o futuro. A notícia de sua promoção veio em uma excelente hora. Seria um novo desafio na vida de uma guerreira de verdade, mas nada que não pudesse ser direcionado para melhorar ainda mais a sua qualidade de vida. Riu de novo de si mesma. Apesar de estar viajando, não o conseguia tirar de seus pensamentos. Mordiscou os lábios e fechou os olhos, lembrando do toque dele em sua pele e de suas línguas se entrelaçando. Seu coração até acelerou e sua barriga se retesou.

Lavou o rosto no banheiro. Precisava se concentrar em outras coisas, precisava trabalhar. Havia feito aquela viagem com o exato desejo de decidir sobre tudo. O profissional sempre fora o mais fácil em sua vida. Já o pessoal... Culpava-se por desastres causados pelo meio do caminho enquanto outros não a compreendiam, não a esperavam se abrir e nem sabiam como lidar com suas crises pessoais como Altaíson. Ao chegar a esta conclusão, olhou-se novamente no espelho e enxagou seu rosto. Ainda se espantava o quanto ele se tornara importante em sua vida. Olhou-se longamente no espelho, olhando seus traços ítalo-brasileiros. Achava-se charmosa, mesmo passando por todo aquele vendaval.

Resolveu, então, respirar fundo de novo. Toda aquela pressão não a ajudaria tomar as decisões necessárias. Ao abrir a sua mala para procurar sua maquiagem, encontrou um papel pardo. Estava somente escrito abra. Estranhou e o fez. Retirou uma carta, na qual havia: "Amo você. Muito. Sinto a sua falta, simplesmente porque está longe de mim ou quando estamos separados pelo trabalho ou quando está viajando ou quando... Sempre sinto a sua falta. Você me é muito cara e especial. Dentro, do envelope, há uma pequena besteirinha."

Ela procurou. Era uma foto dele que ela própria havia tirado recentemente. Lembrou que em quase um ano de relacionamento, nunca tinha tirado nenhuma foto dele e impresso. Ele o fez. Reparou que embaixo da foto, na margem direita, havia uma seta vermelha. Atrás, outra mensagem: "Sei que detesta dormir solitária e nem sempre poderei estar contigo, ao menos por enquanto. Quero que saibas que sempre serei sua companhia, mesmo que seja apenas no nosso sentimento."

Ela balançou a cabeça, ruborizando a sua face. Será que merecia ser feliz? Acharia-se tola por fazer esta pergunta a si mesma anos atrás, mas agora... Agora, ele era especial de verdade, como uma fruta que temos que acondicionar de maneira adequada, após retirada do pé, para poder ser degustada pela vida inteira. Quantos pensamentos e sentimentos invadiram-lhe. De todos eles, de tudo o que sabia, sabia que era um amor verdadeiro. Isto seria o seu norteador até o seu novo porto seguro. Sorriu, agora, daquela situação em que se sentia uma adolescente. Boba e tola, pensou. Desejou que ele estivesse ali, só para poder dizer o quanto estava bonita e o quanto tudo iria dar certo. Mandou-lhe um sms. Acabou de se arrumar e foi de encontro a mais uma decisão.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Das pequenas miudezas

Juarez era um caso típico de alguém que não sabia se expressar na área afetiva. Tímido e reservado, poderíamos dizer que só conseguia se abrir quando não havia ninguém desconhecido por perto. Nunca tinha namorado ninguém que não conhece há anos e fazia questão de dar um passo de cada vez, com um rumo certo para cada pequeno encaminhamento afetivo. Se ele acreditasse em astrologia, diria que seu signo capricórnio cairia-lhe feito uma luva.

Outra faceta deste signo, contudo, é a de trabalhar de maneira árdua. O excesso, normalmente para esconder uma mágoa, tornou-se gigantesco quando separou-se de sua ex-esposa. Divorciado há algum tempo, decidiu alavancar sua carreira profissional. Não saía e as poucas horas de relaxamento social que obtinha era através de uma saída mensal com os amigos da sua antiga escola técnica de engenharia. Deseja apenas paz.

Em um desses feriados prolongados, onde já havia adiantado todos os seus projetos, ele resolveu entrar em uma sala de bate-papo. Perda de tempo, pensara. Até que observou uma mulher entrar com o nome de Atenas. Achou atrativo e começou a dialogar com ela. De um bate-papo genérico, foram a um reservado, onde troca-se o e-mail. Dali, algumas horas depois, viram-se através das câmeras. Conversaram ainda mais alguns bons minutos e trocaram telefone. Falaram-se.

Passaram alguns dias assim, até que Dalila aceitou o seu convite para sair. Pareciam dois adolescentes apaixonados: os corações palpitavam apaixonados, pupilas dilatadas, o cheiro de um inebriava o outro... Amaram-se. Passaram alguns dias sempre se telefonando, sempre se visitando e se divertindo juntos. Era uma avalanche sentimental tão grande que era indescritível. Ele refugava, por vezes... Descontava seu stress do trabalho nela. Ela, por sua vez, o direcionava para fora da relação, sempre com amor e atenção. Por vezes, sendo dura também.

Foi curioso uma vez, em que ele viajava e ela perguntou se poderia fazer algo para que pudesse ajudar. Ele esbravejou, falou que não poderia fazer nada, que o seu dia estava ruim e que ele não estava bem. Disse que precisava ficar no seu canto. Ela, então, deixou que isto acontecesse. A grande questão é que ele não parava de pensar em Dalila. Lembrou que se abriu com ela como nenhuma outra pessoa. Estava modificando-se e assustava-se com isto. Será que isto seria bom? Respirou fundo, voltando a pensar em seus sentimentos, coisa que deixara de fazer: tinha passado a viver a vida no automático, sem se questionar. Ele, então, deu-se conta do que estava acontecendo.

Aos poucos, Juarez foi largando sua armadura emocional de lado. Percebeu que poderia entregar o seu coração para ela que ele seria muito bem cuidado. Dalila tinha feito o que as mulheres fazem de melhor, o que as pessoas que são verdadeiras companheiras fazem; ela o deixou à vontade para que ele pudesse se abrir. Ela também aprendeu com ele a ser mais centrada e direcionada. Ambos eram ansiosos e foram ajudando um ao outro. Casaram em aproximadamente um ano. Estão juntos até hoje. Ah, quase me esqueço: mês que vem irá nascer Sofia, a segunda filha do casal.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Dos sofrimentos que valem a pena

Thobias chorava em um bar, solitário. Deixava as lágrimas rolarem por seu rosto sofrido com as marcas do tempo. Colocava na balança, entre um chopp e outro, o que tinha perdido na sua vida. Tinha um trabalho pífio, pouco contato com a família e quase nenhuma vida pessoal. A única reunião que ia era a anual do Colégio Pedro II e uma mensal da Autarquia Estadual na qual trabalhara toda a sua vida. Sua pretensão em se formar em direito se esvairia por suas mãos.

Foi quando Helenice apareceu em sua vida. Uma pessoa que conhecera na internet, em uma dessas salas de bate-papo tão comuns para um intimidade restrita e limitada pelo medo dos dois de fisicalizarem aquele encontro. Porém, algo diferente tinha ocorrido entre aquelas duas almas: elas se interessaram mutuamente - ele, pela espontaneidade dela e ela pelo seu senso de humor. Os tipos físicos um pelo outro uma atração indiscritível. Ele adorava o nariz de descendência italiana dela e ela o nariz de descendência árabe dele. Resolveram, então, após alguns dias de bate-papo e telefonemas, jantarem.

Foi indescritível o que ocorrera naquela mágica noite: atração à primeira vista, amor em algumas semanas. Atracavam-se sempre que podiam, de uma maneira pagã e longa. Exauriam-se de tanto se amarem. Discutiam planos e imaginavam filhos, um sempre puxando alguma característica de sua família, um pouco para implicar de uma maneira sadia com o outro e um pouco para, logo após, fazer preferência pelo outro. Levavam assim o relacionamento deles.

Ele havia decidido pedi-la em casamento. Seria entregando o anel para ela, no mesmo restaurante no qual tinha comparecido a primeira vez. Ele iria pedir para que ela olhasse para trás e, dentro da rosa vermelha, lá estaria o anel de noivado. Seria a coisa mais romântica que alguém teria feito por ela, que na altura de seus quase trinta e cinco nunca tinha recebido uma rosa sequer em um relacionamento afetivo. Nunca, em sua vida, Helenice havia experimentado o que tinha com Thobias. Era um amor de novela.

Ao chegarem no restaurante, Thobias estava nervoso. Ao entregar o anel, fez sua amada se debulhar em lágrimas. Saíram dali rapidamente para a casa dela. Depois de uma madrugada inteira acordados, dormiram abraçados com o nascer do sol. Naquela mesma semana, já se procediam planos. Thobias a encontrou na loja de móveis planejados para poderem mobiliar um apartamento pequeno que ele tinha comprado. Ambos venderiam seus imóveis maiores para poderem investir no futuro.

Foi quando ela desmaiou. Desesperado, levou-a no hospital. O pior aconteceu: foi diagnosticado um tumor irreversível no cerebelo. Foi tentado de tudo: quimioterapia, radioterapia, até mesmo terapia de cristais... Mas nada funcinou. Ela pediu que Thobias se afastasse dela. Ele negou. Não abandonaria o amor da vida dele daquele jeito. Fez tudo o que podia: loucuras de amor, tratamentos sérios, aproveitou para realizar todos os sonhos que ela tinha.

Ela faleceu duas semanas depois. A dor que Thobias sentia era maior do que a sua própria existência. Cambaleante e embriagado, sentou na sarjeta. Observou um cão de rua passar e afagar-se em sua perna. Ele deixou. Ao menos, abreviaria o sofrimento de algum ser. Suas lágrimas vertiam por seu rosto. Tinha tido o seu grande amor por tempo curto demais. Algo tão pelo e tão puro escapou-lhe por entre os dedos. Sentia-se ludibriado pelo destino Sentiu-se um joguete na mãos dos deuses, imaginou-os rindo do alto de seus palecetes, apontando para o trôpego mortal.

Sabia que tinha dado para Helenice mais do que ela poderia ter de qualquer homem. Percebeu-se da finitude de todos os momentos pelos quais passamos, do quanto deixou deperdiçar a sua vida com pequenas coisas, picunhas sem sentido; iria procurar reaver o que havia deixado para trás. Aproveitou tudo o que poderia ter aproveitado com ela e o faria de novo, mesmo sabendo o seu desfecho. O seu amor por ela era maior do que o seu sofrimento.

Agradeceu a Deus por tê-la encontrado - levaria-a para sempre no seu coração. Ele, ao menos uma vez, havia amado uma pessoa de verdade, sem que ela nem ele usassem máscaras. Trocaria de lugar com ele, tal era o seu prezar por ela. Ele definira o que ela era para ele; amor verdadeiro. Ele iria imortalizá-la em um texto, para que sempre ela pudesse ser lembrada e por todos conhecida. Ele contaria a história de amor dos dois para o mundo. Seria o seu presente para ela. Uma obra de amor.

domingo, 3 de outubro de 2010

Das pequenas paródias pessoais

Clemente era um excelente exemplo de ser humano. Um exímio psicólogo, capaz de ajudar os pacientes solucionar os seus problemas mais profundos. Suas observações sobre o cotidiano e acerca dos seus comportamentos era exímia como o olho do falcão. Tinha demorado alguns anos para desenvolver este bom senso, mas o esmero na sua realização trouxe, em seu bojo, uma elevada ascensão profissional tão desejada pela sua história de vida tão sôfrega.

A sua necessidade laborial advinha da necessidade da sua figura paterna ter perdido sua capacidade laborial mediante um acidente, o qual ainda não havia sido julgado pela justiça do trabalho - culpava-a por isto, embora nada tivesse a ver com o fato desta mesma empresa ser de um filho de um grande Senador da República. Com isto, teve que sustentar ele, sua irmã, mãe e pai. Nada nunca havia sido muito fácil para ele. Por isto, decidiu-se colocar de lado mediante a necessidade do próximo.

Vivia seus dias assim, trabalhando várias horas em seu consultório, tendo pouco tempo para o lazer. Nem as constantes reclamações de sua mãe para que moderasse o seu tempo de trabalho eram levadas em voga: ele apenas sorria e dizia que precisava disto, não somente por ele, mas também pela família dele. E que ele faria qualquer coisa pelo bem-estar daquela família. Com o passar dos anos, ao atingir trinta e cinco, ele começou a trazer sintomas da infância à tona.

Pesadelos constantes, atopicidade e asmas tornaram-se frequentes. Sua esposa, cada vez mais fria e distante, apenas o acusava de nunca poder dar para ela o que ela desejava. E sempre acusava-o de se importar mais com a família dele do que com ela, jogando sempre a culpa por isto em seus pais. Logo eles, que a tinham adotado como uma filha. Neste momento, sentiu uma dor aguda no peito. Seu braço esquerdo apresentou uma relativa paralisia e não havia mais sinais de hematose pulmonar. Algo negro o envolveu e caiu.

Foi ressucitado por uma enfermeira, de nome Bellatriz. Ela fez todos os procedimentos devidos, apenas havia sido uma PCR temporária. Ajudou-o a levanta e o levou para um canto, para que pudesse verificar melhor seus procedimentos orgânicos. Ao beber um suco, Clemente começou a desabafar. Falou compulsivamente sobre tudo o que estava acontecendo, aos olhos atentos daquela bela enfermeira. Ela o observava atentamente.

Ao final de sua catarse, entre lágrimas, quase, ela afagou a sua mão. Havia meses que não se sentia tocado assim por ninguém, ainda mais por uma mulher bonita e cheia de compaixão. Deixou seus devaneios de lado e apenas agradeceu. Ele resolveu ir embora, antes que pudesse afundar um casamento já comprometido por amargura e solidão. Ele não se daria nenhuma oportunidade de fazer nada, mesmo que fosse uma oportunidade de ser feliz.

Duas semanas depois, ele estava em seu consultório pensando em tudo. Estava revoltado, pois sua secretária havia faltado e seu paciente também desmarcara a consulta. Resolveu, então, descer para ler o jornal e procurar tomar o seu desejejum, já que seu estômago vivia constamente embrulhado por causa da sua esposa. Ao chegar a padaria, pediu algo gostoso e que lembrava sua infância: pão na chapa - a gordura da chapa não lavada o fazia ainda melhor - e um café com leite. Ao sentar-se na mesa, deliciava-se com sua refeição.

Uma mão tocou-lhe o ombro e perguntou como ele estava. Ao virar-se, de súbito encarou Bellatriz. Surpreso, beijou a sua face, sentindo a suavidade de pêssego que era a sua pele. Convidou-a para sentar e conversaram horas. Daquele encontro, surgiram vários outros. Beijos, inclusive. Amor. Demorou apenas alguns meses para que pudesse seguir a sua vida e optar por alguém que o fazia feliz. Foram meses de sofrimentos e angústias, de sentimentos extremados. Voltou ele próprio a fazer terapia depois de anos de abandono e conseguiu realizar o seu sonho: ser feliz ao lado de uma esposa que o amava, com três filhos e um casal de cachorros. Aprendeu com o amor dela, acima de tudo, a ter clemência por si mesmo.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Das escolhas

Aderbaldo era um rapaz que sofria antecipadamente por tudo. Sua ansiedade quase não cabia dentro de si mesmo. Exagerado quando amava, era assim também que largava tudo: de uma maneira apaixonada. Este pathos, como os gregos diriam doença, fazia parte dele em todos os detalhes da sua vida - tanto na escolha de uma camisa, quanto na escolha de um projeto de vida.

Era temeroso em relação ao seu futuro. Quando não ao seu futuro pessoal por ter alguém ao seu lado, o era perante o seu futuro profissional. A sua vida era uma montanha russa sentimental, sempre levada por extremos. Doía-lhe o fato de ser assim. Por várias vezes tentou mudar, nunca tendo um sucesso do que se diria promissor. Algo passageiro sempre lhe tampava a vista e, com isto, deixava para mais tarde a resolução de seu problema maior - ele mesmo.

Fingia que não se ouvia, muitas vezes. Embora soubesse o caminho que devesse tomar, seu medo de prosseguir funcionava como um aprisionamento de elefante. Quando ele é pequeno, colocava-se uma corrente forte e ele nunca saía de lá. Com o tempo, deixava de tentar sair e aceitava a sua condição de miserabilidade. Aderbaldo contava que isto era a sua sensação de felicidade, um ato de conformar-se eternamente com algo que ele entendia como imutável.

Refletiu, conquanto, após um término de um belo enlace amoroso. Suas atitudes precipitaram isto e encontrava-se em período de reavaliação. Tinha decidido abraçar o seu conflito interno, baseado na premissa de que este seria o caminho para a sua reviravolta. Com esforço, aceitou-se mais um pouco. Entendia que não poderia ter tudo o que quisesse no momento que quisesse - isto seria tirânico demais com ele. Parou de gerar falsas expectativas em relação ao futuro. Baseava seus passos na firmeza do estudo para dias melhores profissionais.

Neste compasso, chegou a sua vida uma mulher para lá de objetiva. Ela, com o seu amor, ajudou-o cada vez mais a ser mais racional e objetivo - começara a lutar pela sua própria vida. Ele, por outro lado, ajudou-a a sonhar com dias melhores, a poder aspirar um verdadeiro amor. Em uma tarde, os dois completamente fadigados de tanto trabalharem, apreciaram carinhos amorosos na cama. Ambos não tinham disposição para mais nada e aceitaram este fato de compartilhar o que podiam dar um para o outro.

Aderblado sorriu neste momento. Lembrou que só estava ali por ter aceitado amá-la de um jeito despretencioso, mas que o havia feito capturar seu coração. Deixava-a dançar no relacionamento, evitando - por vezes - precipitações em relação ao futuro. Arneide, por sua vez, começava a liberar aos poucos esta aspiração por dias melhores, cogitando até mesmo um casamento e um fruto da "Dona Cegonha".

Ele a olhou nos olhos, envolvendo-a em seus braços, apenas curtindo aquele pequeno momento de eternidade que compartilhavam. Sentiram-se, os dois, felizardos por estarem ali e enfrentarem os contra-tempos do cotidiano. Ela contava suas histórias da infância e riam delas. Ela, após isto, disse que o amava e o beijo em sua boca. O gosto era o mesmo do primeiro encontro, um gosto de com sabor de quero mais. E foi assim que procedeu aquela tarde: com uma eterna pitada de quero mais.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Julianna

Julianna sentia-se diferente nesta manhã chuvosa, típica de um inverno carioca. Estava exausta após tanto trabalhar à noite. Realmente tinha sido um de seus piores plantões, mas mesmo assim, encontrava-se diferente. Embora o stress tenha sido tamanho, tendo que acordar duas vezes durante a madrugada, nada poderia estragar o seu humor. Até mesmo a eventual saída da dieta com uma pizza na noite anterior não a aborrecera; muito pelo contrário, o fato de empanzinar-se sempre vinha acompanhado do centro límbico reforçando positivamente aquele comportamento.

Como poderíamos definir a sensação desta mulher, no alto dos seus trinta e três anos de idade? Ela estava feliz. Feliz por estar trilhando um caminho bom para ela, feliz por conseguir estar desempenhando sua função profissional com maestria... Mas, principalmente, feliz por ter encontrado um amor. Nada daquilo do que ela conhecia, afinal nunca teve nenhum tipo romântico na sua vida ou sonhador; aprendera a nunca se abrir demais, justamente para evitar sofrer.

Só que este jovem rapaz aparecera na sua vida de maneira tão súbita e inesperada, quase como se estivesse arquitetado um plano divino. Eros e Cupido haviam feito uma deliciosa armadilha da qual ela não teria escapatória - até teria, mas não que ela quisesse muito. Este relacionamento estava trazendo à tona sentimentos dentro dela sempre desejados, mas nunca aflorados. Seu bom humor havia volta - uma culpa não exclusiva do sexo - mas pelo fato de se sentir desejada, mulher, uma fêmea sedutora e extramamente carinhosa para com o seu recém-chegado.

Era impressionante como ele havia mudado sua vida: em pouco mais de seis meses, ela se matriculara na academia, passara a fazer tratamento de estética; a vida estava mais colorida, mesmo no mais cinza dos dias. Absurdo, também, era como ela investia seu tempo pensando nele, conversando. Nas mais pequenas coisas, como saber qual seria o melhor cartão de crédito ou pedindo ajuda em algo trivial na informática - era uma inepta - tudo era algum motivo para que reforça-se o sentimento de estima pelo seu novo amor.

Amor... Pegou-se pensando no significado desta palavra. Era este o exato sentimento que estava tomando o seu ser. Resolveu, por incrível que possa parecer para alguém que tenta tampar a intuição com a racionalidade, deixar aquilo fluir. Descobriu-se feliz ao contar suas histórias da infância, desejosa por um contato físico com ele, mesmo que fosse visual, mesmo que fosse de longe - quando sentia o perfume que ele usava pelas ruas da cidade, um sentimento de acolhimento e de proteção subiam-lhe a cabeça, direto do coração.

Iria encontrá-lo hoje. Sabia exatamente isto, contava as horas, os minutos e até os pequenos segundos do dia para que tudo acabasse... Para que ela pudesse se acabar com ele, entregar-se ao seu amor. Pegou-se sorrindo de canto de boca, inclinando a cabeça para frente. Suspirou um pouco, até desejosa para que ele estivesse ali para poder saciar a sua fome por um beijo. Um beijo longo e demorado. "Calma" - pensou para si mesma - "já está chegando a hora." Controlou-se. Concentrou-se novamente no trabalho, não que, eventualmente, seus pensamentos migrassem para outro lugar.

sábado, 25 de setembro de 2010

Wallpapers Oficias dos contos

Exclusivos Wallpapers de Gustavo Nader


sexta-feira, 24 de setembro de 2010

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Passional

Juanes era um tanto quanto passional. Deixava misturar suas inseguranças pessoais com um puro sentimento do amor. Fora assim durante a sua adolescência, melhorando um pouco mais na sua fase adulta. Aprendeu, com o tempo, a controlar a sua insegurança de um modo que pudesse direcioná-la como uma ferramenta para catapultar o seu relacionamento para frente. Apenas falava para si mesmo: "Deixe isto para lá que você vai ver o que acontece no final.".

Acertava, normalmente. Era romântico, fiel e interessado no seus relacionamentos. Estava solteiro fazia um tempo, quando encontrou uma mulher fascinante - Antonieta. Não só pelo sex appeal que exalava e inteligência, mas admirava-a acima de tudo por ser em várias áreas oposta a ele. Ele, passional, ela, racional. Ele, romantiquinho, ela, segura e contínua. Estranhou, a princípio, o fato dela dizer que o amava. Conflitou-se consigo mesmo e deixou eclodir a sua insegurança.

Houve uma desavença, ficaram algum tempo sem se falar. Após isto, resolveram conversar. Ele surpreendeu-se com o sofrimento e apreensão dela. Ela o amava demais, mas somente não demonstrava da maneira que ele achava que ela deveria. Ela, por sua vez, apaixonou-se pelo jeito dele diferente e alegre de ver a vida, tão diferente do seu sério. Ele contou suas inseguranças e medos, e ela, os dela. Tinham necessidades diversas, então como prosseguiriam juntos?

Veio, então, a luz para isto. Não é que fossem opostos; são complementares. Um admirava o outro pela inteligência, sex appeal, boa conversa, fidelidade e a parte libidinosa sexual. Riam-se várias vezes dos modos lindos que faziam amor e das maneiras inusitadas como isto acontecia. A base era boa para poder ser erigido o castelo do amor dos dois.

A partir dali, um passou a se comprometer a ouvir o outro de maneira a realmente prestar atenção somente no outro; inseguranças, relações pretéritas, stress do cotidiano... Quando isto aparecesse para tentar estragar o que tinham, o que percebesse acionará o sistema de emergência: ficar um com o outro, não importando o que ocorresse.

Partiam do acurado princípio de que o amor dos dois era muito gostoso e puro para deixarem coisas externas e medos atrapalharem. Um trabalho comum, que seria realizado a passo de formiga. Firme e forte, prosseguiram em relação ao futuro. Algo incrível aconteceu: a libido era maior ainda, o afago mais profundo e as conversas mais libertadoras e sinceras do que antes (se é que fosse possível). Após alguns meses deste procedimento, casaram-se e tiveram dois rebentos. Duas pestinhas meninas adoráveis que permearam ainda mais a vida deste casal com a felicidade.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Aranella

Aranella era uma lesminha muito esforçada. Trabalhava para sustentar os seus pais na Floresta Encanta Mágica. Ela dava muito duro para poder ter sempre uma boa estrutura para quem a havia criado com tanto amor. Seu nome era trabalho. Sempre fechada, no seu próprio mundo, raramente se dava a oportunidade de se divertir. Buscava, no seu dia-a-dia, o suporte de felicidade através do labor.

Certo dia, porém, encontrou uma Joaninha pequena, espevitada e divertida. Falava pelos cotovelos. Era, contudo, uma Joaninha bem invocada: era uma Joaninha macho, de nome Arthur. Sempre se enfezava quando o confundiam com uma fêmea. Era divertido e curioso os ver juntos: enquanto ela trabalhava, ele conversava com ela e, por vezes, até almoçavam juntos. Com isto, pouco a pouco, tornaram-se grandes amigos.

Um dia, porém, houve algo terrível na vida de Aranella. Ela passou a ser mais fechada e sisuda do que antes. Tudo isto deixava Arthur preocupado: achava que poderia resolver todos os problemas do mundo. Decepcionou-se momentaneamente ao ser posto de lado da vida daquela bela lesminha. Ele, no entanto, não iria se deixar abater - já havia cultivado uma enorme afeição por ela, assim como ela por ele. Não poderia deixar que algo que não soubesse interferisse na vida deles.

O que ele faria? Demonstraria que se importa com ela ao extremo. No dia seguinte, a porta de Aranella havia amanhecido com pétalas de gérbera, como se fizesse um lindo tapete para uma direção. Ela, curiosa como de costume, dirigiu-se até um pequeno toco de árvore. Sentou-se ao que parecia ser uma cadeira. Observou a mesa bem decorada e estilizada: as pétalas eram harmoniosamente arrumadas, compondo um lindo visual.

Ao passo seguinte, Arthur veio com o café-da-manhã: tinha produzido belos crepes de creme, com calda de cacau e morangos silvestres recém-colhidos. Apenas serviu e comeu. Conversaram horas sobre amenidades, até tendo atrasado um pouco a lesminha para o seu trabalho. Ao apressar-se para lá, Arthur a impediu. Disse que já havia cumprido toda a tarefa dela na noite anterior e que havia até mesmo acumulado um excesso para o dia seguinte, já que o dia seria de diversão.

Ele a levou para passear. Foram a uma peça de teatro do grupo das minhocas sem patas. Riram-se de muitas coisas. Passaream pelo shopping, tendo ele comprado um lindo arranjo de cabelo para ela. Ela brigou com ele para pagar; ele negou-se a receber, dizendo que era uma forma de acarinhá-la. Ela enrusbesceu-se e apenas cedeu a este pequeno desejo. Arthur ficou radiante de felicidade e a levou para jantar.

Após a refeição apetitosa, passearam sob a luz do luar. Ali, Arthur tocou em seu rosto e lhe disse o que sempre sentiu por ela:

"Que eu a amo desde o primeiro dia que a havia te visto. Que a tenho como meu fogo pela vida e que ela o incetivava a ser um inseto melhor. E o mais importante, minha linda - sempre vou estar aqui para você, mesmo que não fale. Sempre vou ter a paciência para aguardar você se abrir, caso queira fazê-lo comigo.

Caso não, apenas vou abraçar você e lhe dar suporte. Quero cuidar de você e embalar os seus sonhos. Quero velar pelo seu sono. Sei que não posso resolver tudo, sei que por vezes insisto demais nisto... Mas é a minha forma de demonstrar o quanto amo você. Venha comigo, venha... E seremos sempre eternamente felizes. Um ao outro; um pelo outro. Apenas espero que aceite o meu jeito meio doido de ser e minhas idéias mais doidas ainda... Mas são doidas porque nem sei como entender o amor que sinto por você. Apenas decidi aceitar a te amar, sem nada querer racionalizar."

Ela, sorriu daquela declaração. Jamais havia escutado algo tão bonito e delicado em toda a sua vida. Ela passou suas antenas em sua mão. Ele, então, beijou-a, de um modo gentil e delicado. E amaram-se.

sábado, 18 de setembro de 2010

Amo-te

Amo-te. Não só pelas tuas qualidade que são incomensuráveis, mas pelas tuas vicissitudes que a tornam maravilhosamente humana. É como se pegássemos um projeto de Deus e acrescentamos a tentação do Demônio e torna-te, assim, mulher. Anjo és quando sublima a minha dor com teus afagos maternos e olhos ternos; Súcubus, quando arrasta-me para lugares tão recônditos e inóspitos dentro de mim que nem eu sabia que eles existiam.

Amo-te. Não só pela mão amiga que acalenta, mas pelo teu beijo de mulher insidioso, a tua língua tocando a minha, enlaçando-a; convida-a para dançar um ritual pagão dentro da minha boca, da tua boca - até que percamos a noção do que é meu e do que é teu, em um ritmo tão alucinado e tão pecaminoso que a fricção dos corpos, dos fluidos e do prazer faz com que queiramos fundir nossos corpos em um só, em um frenesi incontrolável que só pode acabar com um urro cortando o ar, arrepiando a pele e somente aumentando a sede por mais.

Amo-te. Não só porque me mostras o teu passado de criança, onde posso ver todas as tuas purezas e anseios por algo melhor para ti; poderia ser somente pelo presente, que é onde eu a tenho em minhas mãos. Não... Amo-te principalmente pelo futuro que rogo para que seja nosso, para que sejas minha companheira. Para que possamos ter filhos juntos, comemorarmos nossos aniversários, brigarmos por causa de algo e nos reconciliarmos com a mesma paixão adolescente pela qual nossos olhares nos seduziram da primeira vez.

Amo-te. Pelo ardor que tem por minh´alma; tua admiração por mim é algo que não posso conceber. Sou um mero homem que desejo amar uma mulher. E, mesmo assim, tu me ofereces tudo aquilo que eu não sei se sou merecedor. Creio que preciso ser melhor do que isto, esta casca feia e este interior cheio de falhas... E, no entanto, oferece-me a luz pela qual eu posso me guiar. Tu me chamas de porto seguro, mas somos um do outro ao mesmo tempo em que nos apoiamos.

Amo-te. Não sei se meu insípido vocabulário poderia exaltar a paixão que tenho por ti, a entrega que reunimos em nós. Difícil crer em algo que pudesse justificar a nossa troca, a nossa conexão quase que espiritual que temos um pelo outro. Agradeço ao Destino a cada pequeno micro-segundo por ter-me apresentado a ti. Sei, ao menos, como poderia resumir tudo o que sinto por ti: Amo-te.

Das pedras

Ícaro estava feliz - e este sentimento vinha da sua recém-descoberta. Não precisou voar até perto do sol, sabia que se chegasse perto demais, iria cair como a figura clássica da história. Resolveu, ao seu modo, procurar fazer pequenas transformações em si mesmo. Seriam poucas, porém boas mudanças, como cada passo de formiga - com um curto avançar, mas firme.

Sua decisão passou pelo fato de querer ser um farol para nortear a si mesmo no mar revolto que havia se tornado seu coração. Balançava como uma nau perdida, fazendo com que os relacionamentos anteriores que havia obtido naufragassem no mar da sua insegurança. Não que ele não fosse um pouco inseguro - só não iria deixar com que isto atrapalhasse a sua navegação.

Nesta nova fase, com uma nova mulher, estava implementando ser firme no seu procedimento. Não um cabeça-dura sem sentido que somente estabelecia limites para mostrar que podia - isto sempre causa mais dor e frustração em ambas as partes. Iria agir da seguinte forma: deixaria claro como um dia de verão que quer a pessoa do seu lado e que está disposto a pagar o preço. A contra-partida deveria ser dela, agora. Ela deveria observar o que precisaria fazer e se estaria disposta a ir com ele nesta estrada.

Pequenas demonstrações de afeto - coisas simples do cotidiano - encantaram-na. Algo como um "eu te amo", dormir junto a ela na noite em que obtivera um pesadelo, amá-la de uma maneira despuradora, rir de suas piadas, do seu jeito de assistir televisão tal qual um infante... Com tudo isto, estava aplainando a estrada para inserir o asfalto. Cabia a ela, conquanto, decidir junto a ele como isto seria feito. Estavam fazendo os dois a passo de formiga.

Ela, ainda ressentida com um rompimento de um relacionamento duradouro - porém infeliz; ele já resignado que o que tinha de duradouro esvaiu-se ralo abaixo e, agradecido, estava limpando tudo o que havia sobrado de mágoa. Não seria fácil, o que não quer dizer que não estava sendo feito. Ela pedia para parar de ansiar pelo futuro, quando ela própria estimulava-o a fazer isto. Sabiamente, ele optou por estaquear estes pontos para firmá-los. Ela, embora contrariada externamente, admirava a capacidade de Ícaro ao poder servir de seu porto seguro.

Não sabiam quanto tempo iria levar esta fase de planejamento, mas divertem-se com ela. A cada novo passo, a cada nova pequena conquista torna a vida dos dois mais leve, adicionando-se uma fé no futuro com uma pitada de uma paixão de adolescente, um ar de maturidade e uma designação firme rumo a um aprofundamento ainda maior da relação - de quando um seria do outro, por tempo indeterminado - até que o amor sempre os unisse, a cada dia de suas vidas.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Amar...

É estar presente para o outro, mesmo quando distante. Quando amamos, estamos presentes no coração e no pensamento do outro.

É tentar acertar, mesmo quando se erra. É querer dividir algo com a pessoa, mesmo que seja o que é mais sombrio em nós. Ao amar, o outro ilumina estes lugares recôndidos com amor.

É querer que o outro melhore. Não como nós gostaríamos, mas como o outro pode. É ajudá-lo neste processo, por mais que doa em nós; o fato de doer não significa ser ruim, significa libertar de preconceitos estabelecidos por nós mesmos.

É romper limites, mesmo que sejam pequenos. Ao ser pequeno, não é que seja menos significativo; o fato de ligar para o outro, de mostrar ao outro um simples local de trabalho... Isto tudo mostra um passo a mais em direção a um rumo bom.

É se apaixonar todos os dias por aquela pessoa.

É se irritar por aquela pessoa não fazer o que nós queremos.

É perdoar aquela pessoa por isto.

É pedir para ser perdoado quando erra.

É amar mais ainda aquela pessoa depois deste processo.

É querer amar o outro pelo que ele é.

É ser redundante ao escrever sobre o amor.

É compartilhar a alegria do riso de nossa infância.

É sermos mais nós mesmos pela liberdade, compreensão e amor do outro.

É ter tolerância.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Metade...

Marcel tinha uma bela meia noiva, a qual estava meio grávida. Ele vivia fascinado pelo talvez filho que tivessem. Ele sempre fora um sonhador, gostava de apostar em idéias absurdas e loucas: quanto mais difícil fosse a execução, mais atraente lhe parecia. Certa feita, comprou sementes de pêssego para poder ter deliciosos cocos. Ele dizia que "quanto mais impossível parecesse, mas perto do sonho seria e mais perto do ideal de realizar ficaria.".

Marcel, então, teve que enfrentar a realidade. Sua bela meia noiva foi embora por inteiro, levando o seu não-filho com ela. Seu pessegueiro nem dava pêssegos e nem cocos; ele o havia plantado em terras estéreis. Desolado, entrou em seu quarto de sua meia casa (não era dele, e sim dos pais) e se dirigiu a sua parte da casa, um pequeno quarto nos fundos. No escuro, chorou todas as suas perdas. Tudo o que havia acontecido era por opção dele, mas mesmo assim ele não entendia como tudo podia doer tanto.

Nosso herói, aos poucos, percebeu que sua permissividade era maior do que sua vontade de vencer. Observava que certos gestos e atitudes que tomava faziam com que ele não conseguisse manter o que desejava. Ao invés de impor limites para sua ex-noiva, ele deixava o barco correr solto. Ela era como uma nau a deriva no mar e ele sempre procurava colocar panos quentes. Até o momento que a sua gastrite abriu uma pequena crise e ele sabia o que tinha que fazer.

Porém, antes dele conseguir pedir para que ela se afastasse, ela foi embora. Nunca mais teve notícias dela: cartas, sms, telefonemas, e-mails, páginas virtuais... Nada. Era como se ela tivesse sumido de sua vida como um sonho bom, que acordamos de manhã com o barulho do despertador, odiando-o por nos ter roubado algo tão precioso quanto uma beleza daquelas. Assim, ele iria prosseguir sua vida, pequeno, como ele achava que era.

No escuro de seu quarto, teve uma pequena revelação. Sua meia-noiva havia ido embora por não querer ficar com ele. Racionalmente, ele conseguia entender. Só não conseguia deixar que ela fosse embora de seu coração. Não sabia como fazer isto, como deixar aquela mulher que o apoiara em momentos difíceis e o amado tão torridamente fosse embora. Como poderia colocar tudo aquilo em um quadro e pendurá-lo no hall de seus relacionamentos pretéritos?

Sentia-se só. Como se o mundo inteiro fosse maior do que seu coração pudesse suportar, maior do que seus passos pudessem correr por ele. Cada minuto passava mais demorado e doloroso do que quando esperava por ela chegar. Ele sabia que aquela era a dor por nunca mais tê-la. Sabia que teria que exercer um esfroço hercúleo para tal. Ele teria que deixar que ela fosse embora e se tornasse apenas uma lembrança - algo que nunca mais poderia ser realidade.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Dos fatos...

Por vezes, queremos muito alguma coisa. Visualizamos um ponto futuro e vamos de encontro a ele. Chama-se objetivo. Temos vários tipos de objetivos na vida: pequeno, médio e longo prazo; todos eles conjugados com urgência ou não. Paralisamos justamente frente àqueles em que a recompensa é maior do que o esperado. Por que vacilamos, então?

Simplesmente porque quanto maior a recompensa, maior é o medo de perder. Arriscar sempre nos traz uma sensação de desconforto, mesmo que o nosso cotidiano seja enfadonho. Quando almejamos algo diferente do que vivemos, temos que usar todas as ferramentas possíveis para construir a nossa nova casa. Isto chama-se concretizar um objetivo.

O grande problema reside aí: quando postergamos demais esta construção, é igual a quando vira-se uma lage. Ou se faz de um modo contínuo ou o processo precisa recomeçar do ponto zero. Quantas vezes recomeçamos deste ponto? Há outra questão a ser levantada - chega uma hora em que o ponto zero vira ponto menos um. Ao demorarmos a tomar uma atitude, principalmente na área afetiva, desgastamos a relação.

Este desgaste chega a um ponto de ser irreversível: por mais que haja amor entre o casal, não se pode desconsiderar as promessas rompidas. Palavras são acordos entre as partes, ações são a realização e a materialização do compromisso e das juras de amor. Sem ação, as palavras são semeadas ao vento, jogadas a própria sorte e podem nunca ter sido alguma coisa.

Daí vem a necessidade por realizar, de se fazer algo da maneira prometida. Nossas palavras têm poder, devendo ser utilizadas com o máximo de cuidado. Ao fazermos um contrato, por menor que seja ou por mais informal que pareça, há parâmetros estabelecidos que têm que ser respeitados. Quando há um desrespeito de uma parte em uma cláusula, desobriga a outra a cumprir a sua parte. Manter a palavra é fundamental em um relacionamento amoroso. Ao nos deixarmos dominar pelas paixões, estas só se manterão no trilho diante de um condutor firme, que possa orientá-las em todas as direções e possíveis cisões.

Para tanto, haverá sempre testes. Nestas encruzilhadas, há dois caminhos: não-fazer e ao fazer. O primeiro deles é aplicado por quase todos, é a manutenção do mesmo caminho. Podemos aceitar que não vamos mudar, que não iremos buscar a felicidade - fazendo disto uma mentira tão eficaz que é possível cairmos na armadilha de aceitarmos. Está tudo certo se convivermos com este fato, desde que não queiramos algo melhor para as nossas vidas. Não deveremos, então, desejar nada fora do cotidiano.

Para os que querem, o caminho é longo e tortuoso. Haverá dor. Dor é diferente de sofrimento. Quando decidimos enfrentar nossos medos para buscar algo que nos é de direito, devemos abrir nossas asas rumo ao desconhecido e ter fé. Fé no sentido de não se poder quantificar o que ganharemos e sim de que a nossa jornada vale mais do que o prêmio - que é mantido a cada dia com o nosso mais belo e irrepreensível amor.

Certa vez li que o amor é justamente algo que nos faz querer sermos melhores do que nós mesmos, ultrapassar nossa barreiras auto-impostas. Ao amarmos de verdade, abrimos lugares inóspitos até para nós mesmos, para que o outro possa ver poesia e música lá. Abrimos nossa alma para que o outro a decore com amor e que nós possamos a cada dia retribuir isto. Amar é, em síntese, arriscar. Arriscar não ser aceitar, arriscar não dar certo, arriscar que tudo vá por água abaixo. Mas... E se não for? Aceitaremos o "fardo" de sermos felizes?

domingo, 5 de setembro de 2010

Saber viver

Augusto era um extraordinário advogado. Possuía uma virtuose para a área de família, conhecendo todos os meandros da lei. Seu discurso, sempre eloquente e com enfâse humana sobre o assunto, arrebatava os juízes até mais do que suas petições, sempre perfeitamente fundamentadas. Sentia-se vivo no tribunal e no escritório. O único lugar em que não se sentia assim, por mais paradoxal que fosse, era na sua própria residência.

Era casado há cinco anos com Joyce, uma enfermeira. Conheceu-a através de sua irmã, também formada na área. Depois de algumas saídas, enamoraram-se. Não que fosse algo quente e tórrido; era morno. Augusto, fã de literatura e um ator frustrado, sabia que toda aquela sofreguidão romântica e aquele sentimento de amor pregado ali era meramente imaginativo; pragmaticamente, aquilo nunca poderia dar certo. Uma pessoa que povoa o seu pensamento durante tanto tempo apropriasse indevidamente uma parte da vida.

Casaram depois de três anos de namoro. Foi uma cerimônia simples, sem Igreja. Joyce preferiu assim. O primeiro ano de casamento até foi bom, mas o resto foi meramente ladeira abaixo. O que já era morno passou a ser somente frio. Os poucos lugares onde havia temperatura eram nas horas das brigas, em que ele pedia reconhecimento por tudo o que fazia pelo casal e ela friamente respondia que não era mais do que obrigação dele dar-lhe afeto. E que se quisesse algo a mais, procurasse outra.

Tendo sido criado por uma religião rígida, Augusto nunca admitia esta hipótese. Engolia sempre a seco e buscava uma maneira de tentar agradá-la. Porém, com o tempo, até isto foi a míngua. Ele, resignado, admitiu que era possível viver infeliz. Fez tanto isto da sua vida que, em quatro anos, até acreditou nesta possibilidade. O mundo lhe parecia cinza, havia deixado de ler. Seus discursos perdiam o vigor, mas a sua técnica e fama ainda o faziam um espetacular praticante do direito.

Até que, certo dia, pouco depois de seu aniversário de trinta e cinco anos, Sophia apareceu na sua vida. Ela era uma estagiária, recomendada pela faculdade na qual havia se formado. Já àquela época, era uma lenda dentre os estudantes. Seus ecos chegaram até os ouvidos daquela jovem de vinte anos. Na entrevista, Augusto percebeu uma tatuagem e perguntou de onde era. Ela, meio que dando de ombros, falou que também fazia teatro nas horas vagas.

Depois de algumas semanas, houve uma ocasião bem singular. Ao passar pela sala da jovem, observou-a chorando. Como era perto da hora do almoço, resolveu-a convidar para tal e aproveitaria para entender o que se passava na vida daquela jovem. Ela relutou, mas apreciou o convite. Conversaram durante bastante tempo sobre o namorado dela, que não reconhecia o esforço empregado por ela para um futuro melhor. Tal foi a intimidade adquirida pelos dois, que Augusto interveio diferente. Não foi no sentido de colocar falsos panos quentes, como até fazia com os clientes em primeiro momento. Ele simplesmente disse para ela:

-"Temos que ter pessoas do nosso lado que nos dêem segurança e nos apóiem em nossas empreitadas. Nada pior do que algo morno e que nem isto tenha.".

Ela ficou chocada. Ele pediu desculpas e relatou também o que passava. Ao final, um clima denso se formou. Sofia, contudo, rapidamente agiu falando sobre peças de teatro. Augusto emendou o assunto e toda aquela aura cinza dispersou-se. Estranhamente, Augusto relembrava aquela conversa o dia inteiro. O entusiasmo daquela jovem, o brilho em seus olhos, seu sorriso pontual e na hora certa, o seu cheiro... E que cheiro! Tinha a eterna sensação de que ela possuía um aroma de flores do campo.

Chegando a casa, naquele dia, olhou para Joyce. Queria sentir aquilo que sentiu por aquela jovem naquele dia. Queria sentir um calor, um amor gostoso depois da longa e dura jornada que tinha sofrido durante todo o dia. Adentrou a sala sorrindo e ela nem lhe deu bola. Apenas fingia que concordava quando ele falava dos ocorridos. Esticou o braço para ele e falou que não queria jantar, mas que tirasse algo da geladeira que a empregada tinha feito. Depois de alguns minutos, ela reclamou de tudo: da empregada, daquela casa, do modo como ele arrumava as coisas, da ligação da mãe dele preocupada com Joyce (ele havia fraturado o ante-braço e estava de licença); Augusto encolhia-se no sofá, sentindo-se acuado e cada vez menor dentro do que deveria ser seu refúgio. Foi dormir.

No dia seguinte, percebeu algo diferente quando acordou para o trabalho. O fato de Joyce ter-lhe negado sexo não o aborreceu. Sentiu-se até aliviado, como se o tivessem o livrado de uma obrigação. Tomou seu banho e arrumou-se cuidadosamente, até mais do que o habitual. Fazia questão de usar terno de dois botões, com gravata combinando com um lenço, abotuaduras e uma camisa listrada com punhos e gola branca. Achava-se charmoso assim. Colocou seu perfume, um amadeirado e seu relógio.

Ao chegar ao escritório, adiantou algumas coisas e foi ao tribunal. Levou Sophia consigo para ela ver como é estar em um. Em seus discursos, notava que ela a observava com admiração, quase um louvor. Isto apenas aumentava o seu combustível, sentia-se vivo de novo. Como poderia apenas um olhar, uma presença, uma lembrança torná-lo mais e melhor do que ele já era? Não quis questionar este fato, apenas resolveu apreciar aquele momento.

Apreciou, na verdade, vários momentos que se seguiram. Seus almoços com Sophia se tornavam constantes, sempre mais dedicados em suas conversas. Ela já havia se separado do "traste" como ela o chamava. Ele, por sua vez, admirava a coragem dela para tanto. Em um destes almoços, sua mão esbarrou delicadamente na dele, na tentativa de alcançar o sal. Ele olhou para a mão dela e em seus olhos. Sentiram, os dois, o mundo parar. Era como se fossem o centro do universo. Ele tocou em sua mão com a da direita, segurando-a gentilmente e carinhosamente. O que aconteceu ali não poderia ser descrito na mais bela canção. Haviam se enamorado.

Algo tenro, gentil e quente. Algo que acalentava um coração velho e sem esperança de amor e um de uma jovem, uma pulsão de vida. Pareciam que se conheciam há uma eternidade e que tinham sido criados um para o outro. Augusto, quebrando o clima, pigarreou. Aquela situação o assustara. Apenas comeram e foram embora. Naquele dia, chegando a casa, Augusto não sabia o que fazer. Queria de alguma forma compensar sua mulher e a chamou para sair. Ela aceitou. Não se divertiu nada, nem um pingo. Parecia que o pouco que tinham um pelo outro havia acabado.

Ele não conseguiu dormir. De manhã cedo, pediu para conversarem. Falou de suas necessidades de afeto, de carinho de algo vivo; ela, com desdém, apenas falou para ele que se não estivesse satisfeito, que fosse embora da casa dela. Eles haviam comprado a casa juntos. Ia se resignar de novo, quando lembrou de tudo o que havia feito por eles, de todos os sacrifícios em nome do casal. Ele sempre a amava tanto, acalentava-lhe e estimulava-lhe a vencer na vida, e tudo o que tinha em troca era um vazio. Não queria mais estar obrigado naquilo. Desta vez, ele iria fazer algo para mudar o seu destino.

Era um sábado, disto ele nunca vai esquecer. Fez uma parte da sua mala sob os protestos dela; gritos, xingamentos, confusões. Tudo era confuso, como se ele tivesse entrado em uma colméia, mas nenhuma das abelhas o tocassem. Ele já não mais sentia nada por aquela mulher, nem desejo. Era um mero sentimento de costume. Um amor acostumado, adptado, remendado ao cotidiano e a uma exigência mínima de afeto. Não mais serviria aquilo para ele. Decidiu, então, ser feliz.

Não com pouco custo; houve processos, brigas, até alguns barracos protagonizados por sua ex-mulher. Tudo isto, porém, ficou mais leve e mais tranquilo. Não se importou tanto com sua redução patrimonial, mas sim com o que podia ver além. E um conhecimento grato que Deus havia enviado para ele - Sophia. Ela era tudo o que ele havia sonhado, um amor tórrido e despudorado. Mas, acima de tudo, uma verdadeira companheira.

Após isto tudo, a maré havia abaixado. Alguns meses se passaram na calmaria, quando Augusto resolve ter uma conversa séria com Sophia. Após a sua formatura e apresentação, eles resolveram começar sobre o rumo que aquele relacionamento estava tomando. A tez dele ficou séria e ela não entendia o porquê. Ele sacou de seu bolso um anel e a pediu em casamento, de joelhos, junto com um buquê de gérberas. Ela aceitou, emocionada. Casaram-se sob as bençãos do pastor da Igreja de ambos.
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