quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Kalil e Anthonia

Kalil era um engenheiro que trabalhava na área da construção civil, já na altura dos seus trinta anos. Adorava tudo o que fazia em seu trabalho: a exatidão dos cálculos, a forma como poderia prever um grave acidente e a maneira como poderia remediar qualquer coisa que acontecesse no meio do caminho. Era, por ele mesmo, um ser extremamente lógico. Seus relacionamentos interpessoais eram tranquilos, embora ele não conseguisse entender um tipo de piada; era circunspecto.

Anthonia, por outro lado, era um raio de sol completamente imprevisível, uma bela jovem moça com seus vinte e dois anos. Sua força estava na sua própria inconstância: uma atriz por natureza, dramática ao extremo, usava seus relacionamentos para explorar todas as possibilidades do ser humano. Era extremamente atenta a toda e qualquer delicadeza do ser humano, usava-a de modo quase divino com os outros - consigo mesma, buscava barreiras e limitações. Tinha vergonha de si e de coisas de seu passado, segredos que deveriam permanecer escondidos nos porões do inconsciente mais profundo.

Encontraram-se por acaso, em uma festa na casa de Anthonia. Seu pai era sócio de Kalil. Ela odiava todas aquelas pessoas sérias e que falavam constantemente em números, mas tinha que parecer o tesouro do papai. Colocou até uma roupa em tons pastéis, para parecer mais séria. Tirou seus piercings (não todos, só os aparentes) e cobriu as tatuagens. Passando pela sala, esbarrou em Kalil e fez com que ele derramasse vinho na sua calça.

Pediu desculpas a ele, mas sorriu dizendo que era um bonito tingimento, moderno. Ele, então, tentou explicar a ela como era este processo, como se dava nas lavanderias. Ela, abismada com a falta de percepção dele, sorriu de novo e apenas afirmou que era um chiste. Ele, parou de falar e pediu desculpa. Ela o levou até seu quarto e o deixou lá. Carregou alguns produtos para lavar rapidamente e secar a calça. Ela pediu a calça a ele. Tímido, olhou para ela como se fosse algo fora da realidade. Ela sorriu de novo e falou que isto era normal no teatro.

Ele, contido, pediu uma toalha de banho. Ela riu, uma daquelas gargalhadas em espiral, do baixinho para o alto. Ele sorriu, deu de ombros e lhe deu a calça. Ela não pôde deixar de notar a cor verde de sua cueca. Sorriu e disse que parecia uma floresta. Ele, completamente ruborizado, perguntou apenas se demoraria. Ela deu as costas e voltou em poucos minutos. A aplicação de certos produtos tinha retirado toda a mancha. Anthonia foi andando até ele para mostrar o seu feito.

Pena que, no caminho, ela tropeçou em um tapete e caiu nos braços de Kalil. Ela, então, reparou naquele rosto curioso. Algumas marcas da idade, um nariz do tipo árabe e uma boca que a chamava. Ele, por sua vez, ficou admirado com as duas pérolas negras que ela trazia, uma em cada órbita. Fazia tempo que havia se separado de sua esposa e não resistiu ao sorriso de canto de boca daquela jovem. Amaram-se ali mesmo, de uma maneira tão intensa e despudorada que não poderia ser descrita por palavras - os dois apenas entregaram-se a todas as formas de prazer possíveis e imagináveis, tal qual animais.

Kalil dormiu ali mesmo, abraçado com aquela jovem. Foi embora no dia seguinte, deixando um bilhete que dizia "Obrigado pela noite. E desculpe pelos arranhões... Beijo" Ela, após ter dormido, ficou preocupada se havia roncado. Achou bonitinho o bilhete e reparou que, atrás dele, ele havia escrito o seu celular. Começaram a se falar diarimente. Era um namoro velado - o pai dela não poderia saber e Kalil tinha insegurança por ela ser tão jovem e especial a ponto de querer trocá-lo.

Iam levando seu relacionamento, até que Anthonia travou por volta dos quatro meses. Ela tinha ficado taciturna em relação a algumas coisas, desviando o olhar de Kalil. Uma noite, conversaram profundamente após algumas taças de vinho e Kalil tomou coragem e perguntou a sua amada o que ocorria. Ela disse que tinha coisas que não podia falar, tinha medo de ser rejeitada. Não havia contado isto para quase ninguém, com exceção de uma amiga sua de Minas Gerais que participava do seu grupo de teatro.

Neste momento, ele pegou na sua mão e olhou profundamente em seus olhos, dizendo: - "Nada do que você disser pode assutar o amor que eu tenho por você; ele é tamanho e tão profundo que pode perdoar qualquer coisa que tenha feito a si mesma. E, principalmente, quero ajudar você a se perdoar. Não pode ter feito de nada de tão terrível que mereça sofrer assim.".

Ela verteu-se em lágrimas. Contou tudo, aos poucos, com vinhos e soluços. Ele, após o seu relato, apenas a acolheu em seus braços, beijou sua testa e afirmou que tudo iria passar. Ela, então, percebeu que tinha ali algo que nunca encontrara antes: além de ser seu amante, Kalil era seu cúmplice. Ele a perdoaria sempre mesmo antes dela ter feito qualquer coisas. Admirou-se por um ser tão racional ser tão cheio de compaixão. Aninhou-se mais um pouco em seu corpo. Passaram alguns minutos assim, incontáveis. O sentimento que brotava de seu peito era enorme. Ela, por todos aqueles minutos, sentia-se como a mocinha perdoada pelo mocinho por seu pecado nem tão grave.

Após isto, ao se beijarem, perceberam que estavam mais ligados um ao outro do que nunca - seu laço de amor era puro e despudorado; sereno para os problemas e turbulento para o amor. Fizeram juras eternas de amor. Decidiram, após isto, assumir para o mundo a beleza do que sentiam um pelo o outro. Nada iria impedir aquele casal de realizar tudo o que pretendiam: amores, filhos, casa e cães. Tocaram ternamente a face um do outro e amaram-se... Pareciam uma sequência de música: o resgate do amor através de Valsinha e o despudor de O meu amor, ambos de Chico Buarque, sendo ela sua eterna Tatuagem e vice-versa.

1 comentários:

Anônimo disse...

Olá Gustavo! Saudações Literárias... Desconhecia essa sua veia.
Muito bem cuidado seu espaço. Parabéns!
Sempre que eu puder voltarei.
Abraços de Luz.
Visite o ILUMINANDO A VIDA.

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