segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Joana

Joana é uma trabalhadora comum. Sem muita instrução na vida, trabalha até esgotar as suas últimas energias. Sua produção sempre foi mediana, mas algo a deixa com medo de perder o emprego. Ela procura dar o máximo de suas forças, não salvo raro engano, ela faz várias horas extras por dia. Todos os dias. Joana trabalha tanto que não sabe se está no trabalho ou em casa descansando.


Como em toda triste realidade, Joana não tem tempo para seus filhos. Parece que as crianças foram tiradas de suas mãos tão rapidamente quanto foram postas no mundo. Não sabe quantos filhos ela tem, nem mesmo o que fazem da vida. Não seria exagero se disséssemos que ela não sabe nem se os filhos estão mortos ou estão vivos. Fim do dia.

Joana tem tanto medo que acha que podem lhe fazer mal no seu local de trabalho. Pensa que a qualquer momento, um ser horrível possa violentá-la e torná-la apenas mais uma estatística dessa sociedade hostil e violenta, lembrando o estado de natureza descrito por Hobbes, onde nada nem ninguém é respeitado. Somente o poder é conhecido por todos. Só que Joana não conhece Hobbes, muito ao menos o que seria estado de natureza. Ela só conhece o medo.

Sua alimentação parece torná-la cada vez mais obesa, para que possa produzir mais e pensar menos. Ela tem a sensação de que cada vez que coloca o alimento em sua boca, ela perde um pouco de si e esquece de tudo. É até um alívio aquele alimento, muito embora não se saiba de onde ele vem e nem qual a sua procedência. Joana come, e mais um dia passa.

Joana escuta o despertador, mas não sabe que horas são. O despertador parece sempre tão sensual aos seus ouvidos, ele entra como música nos seus ouvidos. Quase como se fosse um macho. Mas ela não tem tempo. Seu cubículo onde trabalha, com uma luz forte em seu rosto dá a impressão de ser eternamente dia em seu castigo eterno. Joana pouco tempo tem para conversar com suas colegas de trabalho.

A monotonia é pura e constante em seu trabalho. É meramente algo burocrático e sem sentido o que ela faz. Não compreende muito bem sua tarefa, nem qual a sua posição no mundo, mas continua realizando. Joana por vezes pensa que não é um ser vivo, é apenas uma máquina que repete e repete mecanicamente o que faz. Se tivesse visto Tempos Modernos, de Chaplin, ela se sentiria o próprio. Outro dia acaba.

Ao acordar, de novo parece estar no trabalho. Um ar diferente ronda o ar. Joana não sabe se é simplesmente um mau cheiro de alguma latrina próxima de seu local de trabalho ou se realmente é algo horrendo. Hoje ela consegue ter coragem e conversar um pouco mais com sua colega Alice, que fica do lado dela há tanto tempo que nem Joana se lembra do quanto.

Por ela, soube que vão ter dispensas na empresa. Soube que uma amiga sua, ontem mesmo, teve a sua cabeça cortada pelos seus empregadores. Parece que usaram o seu sangue para tempero. “Cada coisa maluca que se escuta hoje em dia”, pensa Joana, “daqui a pouco vão falar que existe um lugar livre, onde podemos amar e criar nossos filhos.”. Para ela, cabeças vão rolar é somente uma forma de expressão.

Porém, ocorre uma surpresa neste mesmo dia. O seu empregador chega. Olha para ela. Joana tem a sensação da demissão lhe rondando. Nunca havia visto aquele olhar em seu chefe. Beirava a crueldade, tamanha satisfação ao ver a pobre Joana confusa com tudo aquilo. Ele sorria. Ele sorria como se sorri para algo que se vai destrinchar e comer, depois de se matar.

Pensa em seus filhos e em tudo quanto poderia lhes ensinar se o seu emprego permitisse. Pensa que poderia ter tido um marido, um bom marido, se as coisas em sua vida fossem normais. Só que não são. Joana é levada para fora e degolada.

Joana era uma fêmea do Gallus gallus domesticus ou, em outras palavras, uma galinha.

2 comentários:

Marcia disse...

QUERIDO!!!
Amo quando VOCÊ escreve, me delicio com cada palavra e me orgulho por ter colocado VOCÊ no mundo e fico feliz por VOCÊ ter me escolhido como MÃE.
Beijossssssssssssssssssssssssss

Gustavo Nader disse...

Oi mãe... Tudo bom? :) Valeu!!! :D

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