segunda-feira, 1 de março de 2010

Palavras

Faustano era uma espécie de duende laranja. Não o do homem-aranha, mas um duendezinho bem pequeno e laranja. Por vezes, os da sua espécie apresentavam pêlos demais nas pernas e quase nada na parte de cima de seus pequenos corpos. Para imaginarem o quão pequenos são, seriam menores do que uma unha de um recém-nascido.

Todos estes duendes, os esferotecmados, têm uma espécie de comportamento obsessivo-compulsivo. Alguns buscaram a solução em psicotrópicos, outros em anos de análises freudianas... Teve até o caso de alguns fazerem terapia cognitivo comportamental ou apelarem para o isolamente de sua espécie. O caso é que nenhum deles, em tempo algum, conseguem se livrar de seus tocs. Por isto, eles tendem a se separar e somente se juntam na reprodução. Procuram reproduzir somente com sua própria espécie, para que esta espécie de maldição não se espalhe pelos outros duendes.

Faustano, nosso duendezinho verde, gostava de colecionar palavras. Não palavras comuns, não palavras que se dizem no cotidiano... Não. Ao invés de cotidiano, preferia corriqueiramente. Conversa? Que nada... Preferia um interminável e infatigável colóquio. Gerava até nele uma certa excitação tais palavras... Mas não era sua época de reproduzir... Muito faltava. Procurava, então, distrair a cabeça. Resolvera anotar todas estas palavras em seu livro dourado, geometricamente idêntico, dois lados a dois lados. Anotava tudo com uma caneta tinteira azul, recolhida de uma seiva de árvore rara com uma pitada de pó da imaginação.

Certa feita, quando vagava pelos jardins da casa de uma humana, vagueava. Ela, em particular, além de adorar boa literatura, como Machado de Assis, apreciava também dicionários e filósofos. Literatura estrangeira também. Vez por outra ela via filmes, mas o que ele gostava mesmo era de folhear os livros enquanto ela ficava distraída. Procurava suas palavras e delas se alimentava como se fosse uma geléia real. Procurava cada palavra difícil para poder impressionar e se impulsionar em sua busca ávida. Era tamanho o seu desejo, que pouco notava que poderia estar sendo observado.

Foi quando ao folhear seu livro precioso, que o derrubou. Atônito, desceu dos livros e foi quando, ao ver seu livro, viu um lindo pezinho verde. Tinha sua perninhas torneadas, usava uma sainha de pétalas de flor e tinha os cabelos e olhos negros. Era linda. Ficou tão desulmbrado que deixou cair seu caderno e ela o entregou. Ele balbuciou algo como "Obrrrrigado" e ela sorriu, lentamente, inclinando a cabeça para frente e fechando sua boca, timidamente.

Conversaram. Por horas. Muitas e muitas horas. Falaram sobre suas famílias. Suas raças. A raça de Beghônia, era uma raça de fadinhas humanitárias. Elas saíam para ajudar os humanos ou, na maioria das vezes, bichinhos a se protegerem dos humanos. E humanos a se protegerem dos humanos. Ela pouco podia dedicar seu tempo a qualquer outra causa, era comprometida com este fim. E isto a consumia. Mas mesmo assim, mesmo tendo que se atrelar a seu compromisso, se encantara com aquela pequena figura laranja. Pequeno mesmo, pois ainda era um pouco menor do que ela. Enfim, conversaram tanto que até combinaram de se encontrar em um outro lugar, público, porém mais reservado.

Foram ao Távola da Primavera, um belo restaurante localizado em uma copa de árvore. Beberam seu suco preferido (que era uma novidade para Beghônia, que o descobrira na hora). E ela o ensinara a ter um prato diferente. Dividiram a conta, pois este é um conto de fadas moderno. Nada mais justo e menos machista. Ou não... Mas ela fazia questão disto. Faustano até tentara argumentar uma cavalheirismo da idade medieval, um meio de tentar conquistar mais a moça, mas ela foi tão incisiva que por medo de perder uma próxima oportuniade de tê-la ao seu lado por pelo menos mais um segundo que fosse, decidiu repartir a conta.

Foram passear de mãos dadas no jardim. Seus olhares se cruzaram e houve um beijo. Um lindo e doce beijo onde suas línguas se tocaram timidamente no ínicio e os lábios, que procuravam se encaixar, vinham e iam de uma maneira suave e molhada. Um pouco quente, também. Seus corpos se tocaram e ocorreu a maior profusão de luzer e cores que se possam imaginar. Fogos cruzavam os céus, sons tocavam os amantes a quilômetros de distância. A energia destas duas espécies de seres nunca antes haviam se cruzado... Era uma primeira vez. Nunca ninguém imaginaria o que poderia acontecer, mas mesmo contra todos os ímpetos de uma aparente tempestade, procuraram seguir viagem neste barco de amantes ao qual a vida, naquele exato minuto, proporcionava a eles.

Antes, porém, Beghônia também confessou que gostava de palavras difíceis. Faustano ficou ainda mais em delírio e profusava palavras complexas e sem sentidos... Balbuciava coisas que nem poderiam ser escritas em língua nenhuma... Pela primeira vez, Faustano falava a língua do amor. Pela primeira vez, sentira o gosto de poder dizer qualquer coisa, sorrir, tocar ou mesmo suspirar... E perceber que poderia ser entendido... Aprendera a apreciar todos os jeitos, pequenos trejeitos e gestos... E a aprender com a diferenã de invólucro e conteúdo, do sumo, do doce sumo do amor.

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