sexta-feira, 9 de julho de 2010

Daiane e o medo

Daiane era uma psicóloga pós-graduado em terapia Cognitivo-Comportamental. Gostava das coisas exatas e preferia que os comportamentos fossem apenas alterados por estímulo-resposta diferenciados, sem precisar desvendar as searas do inconsciente. Sempre ativa, cada vez mais arrebanhava clientes em seu consultório. Tinha um talento especial para o trabalho, chegando sempre de manhã e somente saindo à noite. Trabalhava, além dos dias da semana, o sábado, em meio período.

Em um destes sábados, foi almoçar em um restaurante diferente, tentando mudar o estímulo que costumeiramente recebia do outro chef. Apreciava comidas italianas e o molho ao sugo, acompanhado com uma massa feita no próprio restaurante. Gostou tanto que pediu para mandar os cumprimentos para o chef. Enquanto sorvia seu café, ela percebeu que havia alguém do seu lado. Um rapaz aparentemente novo (ela tinha trinta e cinco e ele aparentava vinte e cinco). Ficou intrigada e olhou-o nos olhos.

-"Olá. Vim agradecer." - disse ele, com um largo sorriso no rosto e olhos brilhantes.

-"Anh... Como assim?" - disse ela, intrigada.

-"Ué... Mandou cumprimentos para o chef. Ele estava ocupado e me mandou agradecer por ele." - fez um pausa delicada - "Mentira... Eu sou o chef. Vim agradecer."

Ela espantou-se com tamanha espontaneidade e presença de espírito. Espantou-se mais ainda com a longa conversa que tiveram. Conversaram sobre trabalho, profissão... Ela ficou ainda mais intrigada ao descobrir que ele tinha cursado alguns períodos de psicologia: gostava de psicanálise. Ela pensou que ninguém no mundo poderia ser perfeito. Ao ser chamado para voltar a cozinha, pois havia aumentado de súbito o movimento, ela saiu.

Ao receber a conta, veio junto uma rosa vermelha e um cartão, com o telefone dele. Ele mandou um outro vazio, dizendo: "Escreva seu nome aqui, já que até o momento eu não sei. E, se possível, um telefone? Adoraria conversar longamente com você." Ela, enrubescida, abaixou a cabeça para que o garçon não a pegasse neste momento de intimidade declarada. Apenas preencheu o papel, deixou o dinheiro e foi embora.

À tardinha, após tomar um vinho e estar em seu sofá vendo um certo seriado de comédia sobre alguns amigos que dividem um apartamento, ela recebeu uma ligação no celular. Era ele. Sorriu, de orelha a orelha, pigarreou para limpar a voz de quem estava morgada no sofá e atendeu. Conversaram mais longos minutos, cada um insuficiente para preencher a necessidade de conhecerem um pouco mais do outro. Marcaram de ir jantar fora, em um local que ele adorava, mas era segredo.

Ele passou para pegá-la mais ou menos às nove horas da noite. Havia dado tempo de fazer tudo aquilo que as mulheres necessitam antes de um encontro, certos rituais longos e dolorosos para que sejam mais atrativas do que já são. Colocou um vestido na altura da perna, preto, com uma sapatilha preta. A bolsa era de um tom violeta, combinando com alguns tons de sua maquiagem. Estava pronta, feliz e, acima de tudo, curiosa.

Foram a um restaurante na praia, meio distante. O medo que sentia por ele ser um maníaco logo caiu por terra ao ver o lugar. Era lindo, aconchegante e muito romântico. Ao sair do carro, fez questão de abrir-lhe a porta. Tocou-a na mão, sem querer. Ela parou. Ele percebeu e olhou-a profunda e ternamente. Ele avançou um pouco e percebeu que ela virou a cabeça de lado, fechando os olhinhos. Foi um beijo... E que beijo. Demorou alguns minutos, enquanto dançavam como dois parceiro antigos em que um já sabia o próximo passo do outro, o que apenas aumentava o prazer. Após o beijo ele disse:

-"Nossa... É sempre assim que beija um estranho? Prazer, Gilmar..."

-"Bobo..." - disse ela, sorrindo toda como uma adolescente apaixonada.

Tiveram um jantar muito aprazível, com ele sempre acarinhando sua mão. A noite, então, dispensaria qualquer comentário. Poderíamos, contudo, para deixar os leitores menos curiosos, que poderia simplesmente ter sido resumido nas últimas partes da música "Valsinha", de Chico Buarque. Muito mais aumentada e intensa do que a já linda letra deste poeta.

Namoraram durante dois anos, até que Daiane vacilou algumas vezes sobre a certeza daquela relação. Ele andava ocupado com a expansão de um novo restaurante e ela cobrava mais tempo dele. Ela própria, então, resolveu pedir um tempo para reavaliar o que estava acontecendo na sua vida. Ele, cabisbaixo e entristecido, apenas concordou. Ela estava muito preocupada: queria ter filhos, mas não sabia se era com ele.

Nesta uma semana que se passou, ela apenas sobreviveu. Chorou, se amaldiçoou... Até que se acalmou. Ela, já pela terça-feira, quando achava que tinha colocado a cabeça em ordem, começou a perceber uma coisa. Seu mundo estava menos colorido, meio desbotado. As músicas só serviam para lembrar dele e do seu lindo amor. Atordoada, procurou comer algo... Insosso. Tudo parecia ter perdido a graça. Ela, porém, resolveu continuar na sua vã tentativa de resistir.

Já no sábado, quando não aguentava mais, sentiu seu corpo clamando pelo dele. O cheiro dele vinha em sua cabeça, uma pequena peça pregada pelo seu centro límbico. Tudo e mais do que tudo lembrava-o. Tinha um peso no seu peito, como se uma garra envolvesse seu coração, pressionando-o tanto que gerava uma dor. Uma dor imensa, terrível... E chorou como uma criança. Chorava e soluçava pela falta daquele homem que resolveu desistir de tudo aquilo.

Ela pegou o celular. Teve medo que ele não atendesse, que ele não mais a amasse, que ele já a tivesse esquecido... Temorosa e arrasada, ligou. Conversaram, com aquele pé atrás natural no casal. Até que, em um dado momento, ele soltou um chiste típico dele, o que na hora acionara o mau humor dela e depois ela pediria desculpa. Ela apenas sorriu... E disse:

-"Nunca senti tanta falta dessas suas bobagens" - e sorriu. E lhe agradeceu pelo seu amor.

Na noite daquele mesmo dia, duas coisas aconteceram. Eles continuaram a sua bela história de amor, com direito a um lindo buquê de rosas colombianas dado por ele. No final do jantar, ele pegou em sua mão e se ajoelhou em sua frente. Puxou uma pequena caixa preta de jóias e mostrou-lhe o anel de noivado que havia comprado no mesmo dia em que ela pedira o tempo. Em meio a lágrimas, os dois de felicidade, ela aceitou aquele pequeno presente. Graças a isto, temos a pequena Manuella, como prova de que nada é tão impossível assim... Basta apenas se ter fé: em si mesmo e no seu parcerio.

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