quinta-feira, 15 de abril de 2010

Agenor e Thereza

Agenor era fascinado por histórias. Era um leitor ávido, lia sempre um livro atrás do outro. Gostava das histórias mais "infantis", alguns contos de fada. Era fascinado pelas criaturas mitológicas e também pelas criaturas criadas por grandes romancistas. Quanto mais exótica fosse a criatura, quanto mais antagônicos fossem seus sentimentos, quanto mais precisa fosse sua tensão interna, mais Agenor se apaixonava por ela.


Agenor, porém, só se apaixonava por criaturas que fossem pertencentes ao mundo da literatura. Detestava aquelas edições de luxo sobre as histórias com desenhos para demonstrar como aquelas criaturas eram. Ele não precisava de nada daquilo para que estas criaturas tomassem vida. Ele simplesmente lia a descrição e a imaginava. Este era o melhor sentido para ele: criar, a partir da descrição do outro, a sua própria criatura. Uma criatura única e exclusiva dele, algo que ninguém poderia lhe tirar ou, nem ao menos, copiar. Estava guardada em sete chaves no seu coração.

Na vida pessoal, Agenor era desastroso. Ele não conseguia se relacionar com as pessoas de maneira coerente, nem ao menos sentimental. Era habitualmente seco, o que era péssimo para os seus negócios. Ele proprietário de uma livraria, sempre cresceu rodeado por eles. Em sua infância solitária e estéril dentro de uma casa em que as pessoas eram distanciadas, seu único consolo estava nos livros. Para poder suprir sua falta de habilidade social, ele contratou uma ajudante extremamente amigável, mas sem a menor noção do que seria um livro de literatura. Ensinou-a o básico, mas ela nunca gostou de procurar ler outra coisa que não fosse para vender. E suas vendas subiram.

Em um dia chuvoso, não tão incomum nesta época do ano, em que a cidade alaga e tudo pára em todo o lugar (não, não há qualquer menção implícita ou explicíta sobre a cidade do Rio de Janeiro, a não ser o fato do autor morar nela), sua ajudante não compareceu. Ele teria que enfrentar durante todo aquele dia todas aquelas pessoas odiosas e frias, que poderiam lhe machucar a qualquer minuto. Não que ele fosse rabugento, mas ele gostava somente de se proteger dentro de sua bela concha.

Arrumando alguns livros, ouviu a sineta pregada no batente da porta, fazendo o barulho típico de que alguém estava adentrando o seu nobre e humilde estabelecimento comercial. Pigarreou. Quando levanta a cabeça e olha para porta, repara que a luz meio esverdeada da entrada refletia sobre uma pele branca feminina. Entrigou-se com aquele fato, parecia uma fada européia.

Quando ela deu dois passos a frente, percebeu que a luz refletia nos seu olhos. Suas órbitas negras pareciam não ter distinção entre as suas duas pupilas e as suas íris: era simplesmente duas intrigantes luas. Seus lábios eram delicados, quase que desenhados sobre seu rosto fino e seus traços exóticos. Ele tentou recompor-se para tentar decifrar mais aquela quimera que acabara de adentrar ali.

Algo tocou o coração de Agenor. Thereza, como se chamava, tinha entrado ali por acaso para se proteger da chuva. Procurava um lugar calmo. Encontrou Agenor, uma figura quase exótica pelos seus óculos antiquados, porém charmosos, e seu rosto delicado. Tinha notado suas mãos pequenas e delicadas, quase femininas, mas que pareciam transmitir uma maciez e bondade acalentadoras.

Os dois conversaram por horas, com boas doses de café e risadas. Conversaram sobre mitos, palavras exóticas, sobre personagens e sobre livros. Ambos descobriram que tinham várias coisas em comum, além de possuírem uma atopicidade crônica em relação ao frio, poeira e um certo tipo de fruto-do-mar específico da região da Guatemala. Foi quando em um descuido, Thereza esbarra na xícara e derrama um pouco de café em cima de um texto em espanhol que Agenor estava lendo.

Pedia mil desculpas pelo esbarrão, estabanada como sempre. Sempre a comparava com o personagem Pateta porque era desestrada, mas sempre bem-intecionada. Riram. Agenor mostrou uma bela canção em espanhol para Thereza, sobre um amor que transcendia todos os limites do que os seres humanos poderiam julgar possíveis. Era uma declaração tão pura e singela de amor que emocionava só de ler os primeiros e delicados versos.

Thereza realmente não aguentou. Enquanto Agenor ainda limpava os versos, Thereza percebeu que aquele homem pelo qual ela não dava nada inicialmente, a não ser usar óculos - o que ela considerava extremamente sedutor - nunca iria tomar o primeiro passo naquele momento. Pela sua história de vida e decepções amorosas, somente se Thereza tentasse alguma coisa ele poderia ceder a um desejo que ela esperava que ele também nutrisse.

Ela parou. Ele, ainda distraído, buscava um lenço no bolso do paletó. Quando acabou, percebeu que aquela fascinante criatura o estava olhando, como que se tentasse desvendar o enigma da esfinge. Parou. Os dois ficaram congelados por poucos segundos, que pareciam eóns. Thereza sentiu abriu sua boca e inspirou por ela, sentindo sua boca secar. Seu estômago parecia o pólo norte enquanto um vulcão adormecido jorrava por todo o seu abdômen.

Agenor estava fascinado somente em observar aquilo tudo. Piscou os olhos e tentou sentir o perfume que exalava de sua companheira. Quando reabriu os olhos, sentiu a aproximação daquele corpo junto ao seu, mais especificamente dos lábios dele tocando os seus. Sentiu como se uma explosão cósmica estivesse acontecendo naquele exato momento, naquela fina sintonia que tinha se estabelecido com os dois, embora tão pouco tempo de convivência.

Amaram-se no balcão, nas mesas, entre as pratileiras, no chão... Fizeram isto durante horas. Nunca duas pessoas tinham desnudado tanto suas almas, seus corpos, seu prazeres tanto um para o outro e de uma maneira tão gentil e delicada que poderia ser, senão toda a obra, uma grande parte das 1001 Noites.

Porém, ali... Ali não era uma história distante do cotidiano, algo que pudesse ser comparado com uma prontuário de medicina, algo racional, algo que fosse dedutível por uma lógica-matemática. Ali estava presente tudo o que não é lógico, tudo o que apenas é: o amor. E tudo porque simplesmente Thereza, de tanto andar em uma chuva torrencial e assutadora, resolveu apostar em um acolhimento em um pequeno estabelecimento comercial de literatura, algo típico de um livro. E com um final extremamente feliz.

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