segunda-feira, 5 de abril de 2010

Atrópico e a Indecisão

Atrópico era um ser perturbado. Era indeciso por natureza. Nunca conseguia escolher nada. Nunca ia a restaurantes a quilo porque era tamanha a gama de opções que tinha lá que ele simplesmente se perdia. Acabava misturando salada de batata, com macarrão a bolanhesa, purê de batata, arroz, feijão e farofa. Aprendeu, com um amigo, a ir sempre em restaurantes de prato feito. Era mais fácil.


Atrópico tinha chegado a um estágio da sua vida que se questionava porque era tão indeciso. Passava horas, dias... Por vezes até semanas pensando no porquê. Poderia ser algo causado na fase oral da sua infância, algum trauma irreparável a não ser por décadas de terapia psicanalítica freudiana combinada com vários tipos de psicofármacos. Mas nada disso adiantaria.

Poderíamos dizer que ele era um frouxo no cotidiano. Nunca escolhia suas namoradas, nunca escolhia seus amigos, nunca escolhia nada. Por sorte, ou algum Deus maluco bancando uma de bonzinho nas horas de folga, foi parar em um trabalho que ele não precisava fazer absolutamente nada. Contava, somente. Era contador. Não precisava fazer nada naquele emprego, apenas contar números de estoque. Com um formulário padrão, tudo certo, ele nunca precisaria escolher.

Sua mulher atual (já havia se separado duas vezes: nenhuma mulher o aguentou e o traiu com o Josemar) também já não o aguentava mais. Mas Atrópico apenas prosseguia na sua triste caminhada rumo a um Buraco Negro cada dia maior. Não iria a lugar algum na sua vida, um pobre cachorro correndo atrás do próprio rabo. Era um coitado.

Certo dia, quando não conseguia se decidir se atravessava a rua ou não, foi atropelado por uma bicicleta. Bateu com a cabeça na calçada e desmaiou. Acordou dias depois em um hospital. Por sorte, ou azar, o traumatismo craniano não lhe deu qualquer sequela, como uma amnésia temporária capaz de mudar sua vida, como em uma história romântica do cotidiano.

Não, meus amigos, esta história é cinza. Cinza como a vida. Atrópico continuou seu mesmo não-caminho. Após sua atual mulher tê-lo deixado, ele resolveu fazer algo impensável. Ele resolveu dar fim a sua trôpega existência. Tinha decidido não mais viver sobre a ditadura de ninguém, decidiu que ali ele poderia dar fim a sua agonia existencial. Ele, de uma vez por todas, decidiu tomar conta do seu destino.

Pendurou uma corda no teto. Fez um nó que aprendeu no tempo dos Lobinhos. Subiu em um banco e, num momento entre lágrimas e desespero, chutou o banco para o lado. enquanto pendurado pelo pescoço, entrou em desespero por não ter escrito um bilhete de suicídio. Tentou se desvencilhar do laço que tinha feito, mas era apertado demais. Debatia-se inutilmente em busca de tentar, ao menos, deixar sua marca no mundo. Tudo apagou.

Mais tarde, de volta ao mesmo hospital, descobriu que ele não tinha morrido. Ele fez o nó belíssimo, porém a corda não aguentou seu próprio peso e cedeu. Tinha sentido algo diferente dentro dele, agora sim ele poderia mudar a sua vida. Agora sim ele poderia fazer algo de diferente e poderia sim ser senhor dele mesmo. Talvez o suicídio tenha sido apenas a peça inicial, o primeiro peão sacrificado no tabuleiro da nova vida que Atrópico decidiu assumir para ele.

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