sábado, 24 de abril de 2010

Teobaldo e Guilhermina

Teobaldo tinha se apaixonado por Guilhermina. Conviviam há seis meses, porém parecia que se conheciam já há anos. Ambos sabiam as predileções de um pelo outro e também do outro em relação ao mundo. Divertiam-se com pequenos impecilhos do cotidiano para que se vissem, mas maravilhavam-se cada vez que se encontravam. Corria, além de paixão, um sentimento de bem querer enorme um pelo outro, beirando quase o amor. Tinham medo de pronunciar esta palavra. Preferiam conjugar o verbo adorar, acompanhado de um pronome de tratamento do caso oblíquo.


Os dois tinham se conhecido em uma situação difícil de suas vidas: saíram de longos relacionamentos afetivos que não tinham dado certo. Teobaldo saiu de um namoro de seis anos porque sua ex-namorada o descartava sexualmente, muito embora fosse ela dona de um desejo ardoroso por sexo. Já Guilhermina tinha oito anos de namoro quando percebeu que aquele homem nunca poderia lhe dar o que ela queria: filhos; ele não a desejava tanto para ter filhos com ela - frase veemente repetida por ele aos quatro cantos. Seu desejo de ser mãe gritou e fez com que ela se libertasse daquela relação.

Antes de montarem suas casas, tomaram este baque. Conheceram-se numa destas salas de bate papo virtuais, numa noite de uma quinta-feira de carnaval. Ele lembra vivamente do apelido que ela usava: Fada Verde. Começou ele com seu típico: - "Oi. Tudo bom? Procurando companhia?" - Até que conversaram sobre tudo. Música, teatro, palavras difíceis... Apostavam um com o outro sobre quem saberia mais. Tudo isto recheado com o mais alto requinte e um leve toque de querer conquistar por ambas as partes. Com certa intimidade, perguntou o porquê do apelido, se era em relação ao Absinto. Ela sorriu e disse que gostava de fadas e da cor verde. Aquilo era mera coincidência.

Saíram a primeira vez, tiveram sua primeira relação. Apaixonaram-se, sem admitir um para o outro, como o esgrimista fitando o adversário para saber qual será o seu próximo passo. Estavam magoados demais com as próprias decepções e por medo de se ferirem de novo, apenas adiavam o inevitável. O mais interessante é que ao postergá-lo, apenas aumentavam o desejo que um nutria pelo outro. Foi crescendo de uma maneira incontrolável quase como o pão com muito fermento; mas a receita até o momento estava dando muito certo... Certo até demais. Parecia que ali havia um sincronia, quase que uma bela e fina sintonia cósmica.

Em um dia típico da tpm (inchaço, sangramento em excesso, mau humor crônico, entre outras características extremamente perigosas para a vida do companheiro), Guilhermina estava no seu momento concha. Recolhia-se do mundo em sua pseudo-casca de proteção, como uma lagarta prestes a virar borboleta. Tinha essa mania desde a infância, quando tinha furtado frutas da árvore do vizinho e o pai a tinha colocado de castigo por horas. Ela passava quase que se a embrulhar no seu lençolzinho protetor e ficar quieta. Murmurava apenas palavras monossilábicas.

Isto deixava Teobaldo de orelha em pé: o fato dela não dividir isto com ele o transtornava. Amava-a demais para vê-la sofrer daquele jeito, por vezes por nada. Muito do que acontecia poderia ser contornado com o anticoncepcional e o seu bom humor sagaz e versátil, mas isto não acontecia. Toda gracinha que ele falava, Guilhermina sentia como se ele invadisse a sua privacidade, mais íntima mesmo do que o fato de se desnudar para ele. Ela o retaliava sucessivamente.

Desta feita havia sido demais: quando ele fez uma piada da qual ela riria normalmente, foi como se abrisse as portas de Hades e soltasse o furioso Cérbero. Fogo saía pelas suas ventas e fora arranhado pelas garras de suas palavras. Acuado com um herbívoro por seu predador natural e mais faminto, Teobaldo deu de ombros e foi embora. Não sem antes ouvir uma frase fatal: -"Maldita carência afetiva que me fez aproximar de você. Não sei se gosto de você tanto assim!"

Aquiesceu com o que foi dito e saiu de casa. Uma lágrima rolou, junto com uma dor tão atroz no seu peito que parecia que iria infartar. Seu ventrículo esquerdo, o lugar que tinha guardado tão especialmente para aquela mulher fascinante fora atacado pesadamente. Suspirava e chorava. Buscou no álcool, em um bar, a libertação para toda a sua dor. Já completamente embriagado, no auge de sua carência afetiva e em um completo abismo de solidão, sofreu a investida de uma mulher.

Carente, triste, alcoolizado... Teobaldo se sentiu uma presa fácil. Cedia a certos avanços da mulher, mas ouviu ao longe a música de amor que ela tantas vezes tinha para ele cantado e com ele dançado. Levantou-se e pagou a conta. Foi até a sua casa determinado a resolver aquela situação de uma vez por todas. Iria colocar um ponto final naquela história e nada o iria impedir, nem mesmo os deuses mais poderosos, nem mesmo a lei mais dura, nem mesmo os problemas de sua infância que se somatizam por vezes. Nada o abateria.

Chegando em casa, encontrou Guilhermina no canto da cama, com o rosto amoado. Tinha derramado um rio de lágrimas, podendo encher o oceano de dor que tinha gerado as suas palavras para ela mesma e para Teobaldo. Teobaldo percebeu que era uma cogitação válida a carência, que realmente poderiam eles estar juntos apenas para que um cuidasse do outro nas noites frias e tristes. Poderia ser apenas uma não-aceitação pelo fato de que não queriam ficar sós, que era preferível alguma companhia do que nenhuma.

Sentou-se do lado de Guilhermina na cama e olhou bem profunda e mansamente e disse-lhe: -"Amo você. Vou aprender a cada dia lhe respeitar, até mesmo este momento seu de ficar quieta no canto." -disse-lhe sorrindo, alisando uma face maltratada por insegurança em relação a um possível rompimento de algo tão tenro para ela - "Pode estar sendo tudo rápido demais, pode estar parecendo tudo bom demais. Aos poucos, estamos nos entrosando, nos conhecendo a cada dia. Não quero perder isto. Todos temos carências afetivas, todos temos medos. Não podemos é deixar o nosso medo de nos frustar vir a dirimir a nossa relação, como água escorrendo pelo ralo do box. Somos o que somos e nos amamos. Se fosse mera carência..."

Ela escutou toda a história do bar e tantas outras oportunidades de sexo fácil que ele poderia ter tido. Sentia raiva pela sua sinceridade ser tão grande, mas aos poucos a raiva deu lugar a um entendimento, quase que a uma epifania em seu córtex: percebeu porque ele quis dizer aquilo. Ela sabia que ele era realmente um fauno, apreciava o sexo, mas sabia também que só gostava de fazer aquilo acompanhado da pessoa que amava, mesmo ela tendo que trabalhar todos os dias até mais tarde, continuava ele fiel a ela. Ele dizia que ela era o seu mundo. Percebeu que ele colocava suas necessidades de lado (não só as sexuais) em prol da relação. Sentiu-se diminuída e quase voltou a chorar.

Teobaldo deu-lhe um beijo na testa, para acalmá-la. Deu outro em seus lábios. Olharam-se, fitando-se, como que um querendo fundir seu corpo e mente ao outro. Havia pedidos de desculpa, carinhos, amor, frustrações, tudo... Tudo o que compõe uma bela relação entre duas pessoas que se amam. Abraçaram-se profundamente e de uma maneira sublime.Teobaldo deitou-se na cama com Guilhermina, não sem antes terem se banhado: tinham o hábito de banhar-se um pro outro, por vezes com o outro e perfurmar-se antes de dormirem. Ele apoiou a cabeça dela em seu ombro, beijou-lhe a face e ela sorriu, quase que ronronando e se aconchegando em seu homem. Fez um carinho em seu peito, beijou-o ali também e adormeceu em seus braços.

Tinha ali adquirido a certeza de duas coisas. A primeira a de que ele a amava, chamou-o baixinho de meu amor para que ele quase não escutasse. Ele deu-lhe o beijo mais carinhoso do universo em sua testa e chamou-a também de meu amor. A segunda conclusão foi a de que eles nunca mais discutiram na sua tpm, nem sequer levantaria hipóteses sobre o relacionamento dos dois, por medo de que suas inferências não-muito lógicas atrapalhassem aquele belo casal, formado repentinamente. Porém, com um futuro tão promissor, tão propício a boas gestações de amor e de filhos que o tempo mostrou-se ser exatamente aquilo que era preciso: curto para se amarem de maneira tão tremenda e longo para que o cultivassem hoje e sempre.

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